terça-feira, 6 de setembro de 2011

Embarcados na guerra das imagens (e do real)


No mês em que se rememoram os acontecimentos de 11 de setembro de 2001 nos E.U.A., com imagens de diversos ângulos e variadas fontes, que registraram o atentado há dez anos, inundando a mídia, o Ciência em Foco trouxe uma discussão em torno da atual condição das imagens, enfocando a tensão entre os aspectos documentais e ficcionais que a atravessam. Quem conversou com o público após a exibição de Guerra sem cortes (Redacted, 2007), de Brian de Palma, foi o professor do Departamento de Letras da PUC-Rio, Karl Erik Schollhammer, com a palestra O olhar embarcado: tendências de documentarismo ficcional no cinema de guerra atual. Embora o filme tenha obtido reconhecimento por parte da crítica europeia, e também premiado no Festival de Veneza, Karl Erik comentou a pouquíssima repercussão que teve nos E.U.A., sofrendo até mesmo ataques devido às opiniões correntes da época, quando muitos eram favoráveis à guerra no Iraque.

Embora relacionado ao cinema de guerra, Brian de Palma vai além da reflexão em torno de um gênero específico de filmes, como fez em grande parte de sua obra. O diferencial deste filme - e também sua audácia - tem a ver com o modo com que se aproxima de fatos reais. Seu filme aborda a guerra não apenas como uma questão militar e política, mas como uma questão de imagens, de linguagens envolvidas na própria maneira de dar realidade à guerra. De Palma faz isso quando encena e costura uma série de fontes correspondentes a linguagens diversas - supostamente documentais -, respeitando o estilo de cada uma, como os vídeos de soldados, vídeos da internet e de câmeras de vigilância, dentre outros. Deste modo, ele incorpora linguagens que traduzem uma sociedade cada vez mais sob vigilância constante, embora sempre se refletindo e se recriando em meio às imagens digitais. Ao encenar o documentarismo, De Palma traça uma alternativa para um caminho tradicionalmente delimitado por duas grandes formas de cinema: o ficcional e o documentário. Ele não apenas procura mostrar e discutir os fatos, mas chamar atenção para a própria maneira com que se contam as histórias sobre os fatos.

Karl Erik salientou o percurso de proximidade entre o desenvolvimento da guerra e do cinema, aliado à importância política de se representar versões dos conflitos por meio das imagens. No caso de De Palma, a atenção se volta para o diálogo que as versões oficiais dos fatos estabelecem com as versões informais da comunicação digital, mostrando-nos como as fronteiras entre ficção e realidade se complexificam, às vezes de forma perturbadora. A partir de um contraponto com dois documentários de guerra recentes - Armadillo (2010) e Restrepo (2010) -, que também se valem da mídia informal, Karl Erik definiu o que chamou de um olhar embarcado. Estaria colocada uma questão em torno da ambiguidade da mídia informal: o desejo de criar as imagens pode se mostrar intenso o suficiente a ponto de levar ao envolvimento nos atos criminosos.

Nestes filmes, assim como em Guerra sem cortes, não há um compromisso com um relato objetivo acerca de um fato, ou uma regra que viria de fora dos acontecimentos mostrados. A visão é interior ao próprio movimento no qual o olhar se insere, de modo que a verdade está sempre em questão, negociada por interesses específicos. É o que Karl Erik chamou de uma visão ontológica. O olhar exterior, objetivo, tradicionalmente associado ao documentarismo, dá lugar a este novo tipo de visão, não separada do próprio contexto em que se vê. No lugar de uma visão distanciada, a que ele chama de epistemológica, este olhar embarcado não exclui o envolvimento corporal, afetivo e emocional nos acontecimentos, levando além dos limites a razão e contestando a capacidade de julgamento de seus personagens e espectadores. De Palma lança o cinema - e todos nós - neste movimento indecidível entre o ficcional e o verdadeiro, pensando como a própria ficção atua como criadora de realidade.

Estas questões estarão de algum modo também presentes em nossa próxima sessão, que acontece no dia 1º de outubro, quando procuraremos pensar sobre os processos envolvidos no estabelecimento de verdades científicas, discutindo sua suposta neutralidade e seu destacamento dos contextos e interesses da sociedade. Exibiremos o filme Obrigado por fumar (Thank you for smoking, 2005), de Jason Reitman, seguido da palestra "Alegar que cigarros não viciam requer provas". Como convidado do mês, teremos a alegria de contar com o professor do NCE e do HCTE da UFRJ, Ivan da Costa Marques, doutor em Ciência da Computação pela Berkeley, University of California, pós-doutor pela New School for Social Research, New York. Ivan também é fundador do grupo de pesquisa NECSO - Núcleo de Estudos de Ciência & Tecnologia e Sociedade, e atual vice-presidente da Sociedade Brasileira de História da Ciência (SBHC).











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