segunda-feira, 29 de agosto de 2011

As fronteiras da imagem



"A guerra acontece também nas imagens e a fronteira entre realidade e ficção é uma das trincheiras desse conflito", Karl Erik Schollhammer, doutor em Semiótica pela Aarhus Universitet, Dinamarca, professor do Departamento de Letras da PUC-Rio, autor dos livros Além do visível e Linguagens da violência, e palestrante do Ciência em Foco de 3 de setembro.


1) Conte-nos um pouco da história de sua relação com as imagens e o cinema.

Trabalho com as interfaces entre a literatura e as outras artes e o cinema tem sido um elemento importante, porém não exclusivo nessa abordagem. Escrevi algumas coisas sobre esse diálogo; por exemplo, no livro Além do Visível - o olhar da literatura.


2) Brian de Palma realizou, com Guerra sem cortes, um filme de ficção que se utiliza da aparência de imagens indiretas, como telejornais, vídeos da internet e filmagens dos próprios soldados. Tendo em vista que ele se baseou em fatos reais, como pensar sua escolha por inserir este aspecto documental à ficção?

O filme aborda um caso particular de crime de guerra; mais importante é sua reflexão sobre a maneira que vivemos a guerra através da mídia e das tecnologias visuais de documentação e comunicação de seus próprios protagonistas. A guerra acontece também nas imagens e a fronteira entre realidade e ficção é uma das trincheiras desse conflito.

3) A proliferação de reality shows e vídeos caseiros na rede documentando passagens do cotidiano dos indivíduos, entre outros fenômenos comunicacionais contemporâneos, tem colocado em discussão a fascinação de nossa época com a produção de imagens 'autênticas' e posto em xeque as fronteiras rígidas entre encenação e real. De que forma Guerra sem cortes dialoga com essa autenticidade performática ou realidade dramatizada de nosso tempo?



Existe uma tendência nos documentários de guerra recente de se apropriar dessa proximidade dos reality shows e Brian de Palma procura mostrar como a mediação tecnológica da experiência de guerra, ou seja, da experiência extrema de conflito e violência, interfere diretamente nos próprios acontecimentos.


4) Os atos violentos mostrados no filme, desencadeados por soldados estadunidenses e situados no cenário dos recentes conflitos do Iraque, foram omitidos da mídia por algum tempo. De Palma traz a público, por meio da arte, uma encenação de fatos reais que teriam sido censurados. Hoje em dia, já se disseminaram imagens reais de torturas e assassinatos nestes conflitos, cuja crueza e verdade não cessam de chocar o mundo. Como podemos pensar a importância da representação da violência diante da atual condição proliferante das imagens?

Uma das justificativas da defesa dos acusados no caso de Abu-Graib era a de que as fotografias das torturas foram encenadas para mostrar aos presos, com a finalidade de assustar e intimidar sem precisar da violência explícita. Assim, a fronteira entre realidade e encenação, entre violência representada ou representação violenta, tornou-se inexistente e se evidenciou seu papel direto na guerra das imagens.

5) Sendo sua área de atuação a teoria da literatura e a literatura comparada, de que modo poderíamos pensar as fronteiras de sua produção contemporânea com o cinema, diante da atual cultura da imagem? A partir de sua incorporação em Guerra sem cortes, comente a respeito das novas tecnologias digitais, que produzem a todo momento imagens do mundo, assim como sobre os desafios éticos e estéticos que elas impõem.

A tecnologia digital possibilita uma nova dimensão de registro e representação dos focos de conflito e de guerra no mundo globalizado, não só em imagens mas também em relatos testemunhais e escritos realizados como parte dessa experiência. Assim, surge uma variação de novas formas representativas, cujo impacto sobre a literatura e os novos formatos documentais de vídeo e filmes ainda não conhecemos plenamente. É esse o impacto que me interessa: procuro entender como modifica nossa noção do que é real.

Quem quiser conversar com Karl, escreva para: karlerik@puc-rio.br


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