quarta-feira, 25 de maio de 2011

Trafegando no tempo com Paulo Vasconcellos-Silva

Médico, doutor em Saúde Pública, professor de Bioética/UNIRIO, pesquisador do IOC e da Escola Nacional de Saúde Pública/FIOCRUZ, e palestrante do Ciência em Foco de 4 de junho. Com vocês, Paulo Vasconcellos-Silva.




"Para mim, e essa não é uma receita universal, o cinema também é uma 'prova modificadora de si'. Me expõe às minhas construções de verdades e aos desconfortos saudáveis que me fazem prosseguir".

1)Fale um pouco de sua relação com o cinema.

O cinema entrou e ainda entra em minha vida com função provocadora. Em outras palavras, tento assistir deliberadamente aos filmes que nunca assistiria de boa vontade, a título de entretenimento. Assisto filmes de Kung-fu, dramalhão mexicano e até cinema de propaganda norte-coreana (quando encontrar algum). Geralmente não consigo assistir até as letrinhas do final mas, não raro, me surpreendo gostando de coisas que nunca buscaria na telona. Acho que o cinema permite uma forma de descentramento que deve ser buscada nos seus limites. Para mim, e essa não é uma receita universal, o cinema também é uma “prova modificadora de si”. Me expõe às minhas construções de verdades e aos desconfortos saudáveis que me fazem prosseguir.

2)A viagem no tempo é um tema recorrente no universo da ficção-científica, capaz de colocar em perspectiva nossos anseios e esperanças com relação à vida e à história. Apenas como um aperitivo do que deverá tratar no dia da sessão, de que modo este recurso, no filme de Terry Gilliam, pode dialogar com o modo a partir do qual nos situamos com relação ao nosso passado, presente e futuro? Haveria algum desafio ético proposto por Gilliam, a partir deste recurso da viagem temporal?





Penso que, em um certo sentido, viajamos no tempo todos os dias. Quando re-entramos em uma fila de supermercado e olhamos para aquela que abandonamos (que geralmente anda mais rápido), quando olhamos para nossos filhos pequenos e os vemos como futuros ganhadores de Nobel, Oscar, Medalha Olímpica etc.. Quando temos 100 caminhos a seguir, optamos por um deles e passamos o resto da vida nos arrependendo de não termos tomado algum dos outros 99. Estamos culturalmente imersos nessas narrativas sobre viagens no tempo sem máquinas. Elas não são exclusividade da ficção científica. Uma das mais conhecidas é a de Ebenezer Scrooge, o velho sovina do Um conto de Natal (A Christmas Carol), de Charles Dickens. É um bom exemplo de ethos que se aprimora, emancipado da “cegueira das coisas pequenas”. Mas acredito que Gilliam quis transcender essa clássica “moral da história”. Escapa (ou tenta) do proselitismo ético ao adotar a narrativa de desequilíbrio entre real x delírio – o “slippery slope argument” (argumento do possível deslize) onipresente nas distopias. O discurso embutido é sempre algo como: “...continuemos por aí e vejam no que dará".

3)Tendo em vista o título que escolheu para sua fala, e sem entregar muito do que deverá conversar com o público, poderia explicar melhor esta instigante referência ao filme envolvendo os dentes e sua relação com a viagem no tempo?

Todos aqueles que iniciam uma história e acreditam atrair a atenção de outros são pequenos e desprezíveis sádicos em potencial. Adiam desfechos, insinuam reviravoltas no enredo, manipulam a atenção dos espectadores ávidos de desenlaces. Eu não sou melhor que eles (rsrsrs...)

4)O personagem principal do filme é enviado ao passado por uma equipe de cientistas para coletar informações que possam salvar o presente de um terrível vírus. O filme, no entanto, não apenas coloca em questão a sanidade deste personagem, como também traduz, por extensão, esta incerteza para o âmbito da narrativa. Tendo em vista sua atuação em Saúde Pública e Bioética, que intuições Terry Gilliam nos traz, via cinema, para problematizar filosoficamente as tensões contemporâneas entre a racionalidade científica e a saúde?





Em relação à opção pela narrativa, não estou bem certo porque ainda não assisti aos extras do DVD (rsrs), talvez lá o diretor explique esse porquê. Mas, como disse acima, uma alternativa possível seria contornar o clima “moralista- distópico” do original francês A plataforma, de Chris Marker (La jetée, 1962). Neste, o mundo pós-apocalíptico é o pós-guerra nuclear – está bem contextualizado com o momento histórico da guerra fria. Invasões de marcianos também nos assustavam durante a guerra fria, mas hoje em dia não temos tanto medo deles ou da bomba, como Kubrick (em Dr. Fantástico - Dr. Strangelove or: How I Learned to Stop Worrying and Love the Bomb, de 1964), mas das ameaças à saúde coletiva, dos vírus e até da Natureza em si, como forma idealizada e vingativa – tema do filme de M. Night Shyamalan (Fim dos tempos - The Happening, 2008). Essa “natureza rousseauneana” já se vingava dos homens em Os pássaros (The birds, 1963), de Hitchcock, o que considero uma boa peça de suspense crescente, e não decrescente, como no filme de Shyamalan. Mas essa é uma outra história...

5)Em seu modo de ver, qual a importância de atividades como os cineclubes enquanto espaços de pensamento e divulgação científica?

Discordo do jargão de Luiz Severiano Ribeiro - “cinema é a maior diversão”. Cinema também é um poderoso recurso para educação. Cinema deve desencadear, ser provocação também (ou flagelação masoquista, como no meu confesso caso patológico). Sinto alguma saudade de minha época de faculdade, quando dirigia o cineclube do Diretório Acadêmico. Após qualquer sessão de cineclube, o debate era obrigatório, mesmo que se exibisse Branca de Neve. O bom cinema deveria ir além da mera expressão política, devendo alcançar também repercussão política e, se possível, a revolução socialista! Os bons filmes eram do Leste Europeu, censurados e, se possível, intragáveis. Não sei se estamos retornando a esse caminho na rota de choque com a lei dos direitos autorais. Caso positivo, isso só aumenta o prazer transgressor, ligeiramente delinquente e marginal dos cineclubes.

Quem quiser entrar em contato com o Paulo, escreva para: bioeticaunirio@yahoo.com.br




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