quarta-feira, 27 de julho de 2011

Marcia Tiburi, para além da imagem

Nossa convidada do mês é filósofa, escritora, professora do programa de pós-graduação em Arte, Educação e História da Cultura da Universidade Mackenzie (SP), e também integrou por 5 anos a equipe do programa Saia Justa, do canal de TV a cabo GNT. Nesta conversa, Marcia Tiburi comenta alguns aspectos da dimensão filosófica que pode ser explorada a partir do filme de Truffaut, convidando nossos "olhos hipertrofiados de tanto ver" às aventuras do pensamento.

"O grande alcance do filme se deve ao fato de que ele é uma teoria da imagem que se faz pela imagem, ou seja, é “metaimagem”. Raramente um procedimento imagético consegue ser crítico da imagem. Neste sentido, o filme de Truffaut não é apenas uma boa exposição do conteúdo crítico em relação à autoritária sociedade do espetáculo, em que vige o vazio do pensamento, mas a tentativa mesma de mostrar isso com os meios do espetáculo."

1) Como foi seu encontro com o cinema? E por que falar a partir dele?

Talvez você considere minha resposta decepcionante, mas devo declarar que não tenho nenhuma preferência pela forma “cinema”. Assim como não assisto televisão, não acompanho a programação das salas. Assisto a poucos filmes, embora tenha um telão bem grande na minha sala. Assisto, em geral aos que me interessam de um ponto de vista teórico. Meu fundamental interesse pelos filmes está na revelação de uma teoria apresentada como forma e conteúdo. Filmes são, muitas vezes, sistemas teóricos no sentido de serem uma exposição estética, ética e metafísica.

2) O filme Fahrenheit 451, baseado no livro de Ray Bradbury, apresenta uma distopia na qual a forma de controle social se baseia na proibição da leitura. De que modo o filme nos força a pensar, pela ficção e pelas imagens, a respeito da cultura televisual de nossa própria sociedade, tendo em vista as tecnologias de disseminação e proliferação das imagens no mundo contemporâneo?

O livro de Bradbury é excelente do ponto de vista da boa ficção científica como visão do futuro. Mas o filme de Truffaut é um dos casos excepcionais em que o cinema consegue ir mais longe do que um livro. Isso não diminui o livro de Bradbury, antes define a diferença e o mérito do filme de Truffaut. O grande alcance do filme se deve ao fato de que ele é uma teoria da imagem que se faz pela imagem, ou seja, é “metaimagem”. Raramente um procedimento imagético consegue ser crítico da imagem. Neste sentido, o filme de Truffaut não é apenas uma boa exposição do conteúdo crítico em relação à autoritária sociedade do espetáculo, em que vige o vazio do pensamento, mas a tentativa mesma de mostrar isso com os meios do espetáculo. Sob este aspecto o filme é vertiginoso.

3) Em seu recém-lançado livro, Olho de vidro: a televisão e o estado de exceção da imagem, há uma análise em torno da experiência subjetiva que a TV determina, considerada como uma prótese capaz de tornar passivo o espectador, confundindo e iludindo sobre a existência. O futuro que o filme de Truffaut apresenta, com sua crítica da imagem televisiva, poderia nos fornecer insumos para reavaliarmos os rumos de um futuro possível da TV, pensando em uma política das imagens que leve em conta a ética e a liberdade?

Decidi incluir no meu livro sobre televisão chamado Olho de Vidro a análise de três filmes: Videodrome (1983) de David Cronenberg, O Show de Truman (1998) de Peter Weir e Fahrenheit 451 (1966) de François Truffaut. Poderia ter usado outros filmes, mas estes eram carregados de conceitos que o meu livro queria explorar. No caso de Videodrome era o corpo. Em O Show de Truman era o espaço, o verdadeiro "campo de concentração" em que ele foi criado como experimento da indústria cultural da imagem. Fahrenheit entrou na segunda parte do livro intitulada "Tela" em que a categoria da superfície onde surge uma imagem era analisada. A questão seria entender o que acontece com a figura subjetiva de nosso tempo chamada "telespectador". Quem é esta pessoa? Como definir a experiência "formativa" por meio da qual alguém se torna "telespectador"? Certamente toda análise crítica visa à produção de liberdade e emancipação, por isso mesmo a crítica não visa jamais a doutrinação, mas a abertura da compreensão. Os rumos da produção televisual pertencem à capacidade de decisão humana no campo da política e também da ética. Tratei em meu livro a televisão como prática estética tendo em vista que toda prática estética tem uma ética e uma política.

3) Sendo o cinema uma mídia, assim como o livro e a TV, como situar então Fahrenheit 451 - o filme -, na tensão que oferece às relações entre estes três campos de experiência? Como a arte e o pensamento se insinuam em cada um?

Em primeiro lugar, a compreensão do termo mídia precisa ser melhorada. Eu não gosto de usá-lo, pois vejo que tanto o mundo especializado quanto o senso comum falam dele do mesmo jeito, ou seja, de um modo preconceituoso. Parece crítica, mas do modo como está sendo usado não passa de preconceito. E é também um pedantismo que liga especialização e senso comum num arranjo assustador. O que é mídia? Literalmente, conjunto dos meios. Se queremos usar com mais rigor o termo “mídia” temos que incluir o livro nisso. O livro é o mais antigo dos meios de expressão e comunicação. Na antiguidade ele também era considerado perigoso. Assim, prefiro separar televisão, cinema, livro, etc. Cada um tem suas características próprias. Assim, o que podemos fazer é uma comparação entre o filme e o livro, mas isso não nos leva muito longe, pois este tipo de análise muitas vezes se cancela em formalismos em que o alcance do livro e do filme são medidos. Acho isso muito pouco. Prefiro ver o que cada um nos mostra enquanto obra. Aplicar o conceito de obra de arte ao livro e ao filme é perfeitamente possível, mas não nos dirá muita coisa, pois aí teremos que fazer uma exposição do problema da obra de arte – e do conceito de arte. Prefiro ver o que a coisa pode nos dizer ou o que podemos ler com nossos olhos hipertrofiados de tanto ver em cada detalhe do filme.

4) Na sua opinião, qual a importância de atividades como os cineclubes enquanto espaços de pensamento e divulgação científica?

Os cineclubes podem ajudar a ver melhor enquanto promovem o debate, e permitem que se “pense na imagem”. A imagem não é reflexiva em si mesma e falar sobre ela, tentar compreender o que ela carrega de teoria é essencial para que ela não nos convença meramente de alguma verdade. A imagem é idolatria e mito, mexer com ela é iconoclastia e filosofia.

5) Você gostaria de fazer um convite para os cineclubistas virem assistir ao filme e participarem do debate em torno dele?

De nada adianta ver sem pensar.

7) Como conhecer mais de suas produções?

Entrando no meu Lattes, no Google, no meu site (verdade que está desatualizado e meus últimos 3 ou 4 livros não estão lá...)


Quem quiser entrar em contato com a Marcia, escreva para: marciatiburi2011@gmail.com

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Nosso podcast está de volta!

Depois de alguns contratempos e problemas técnicos, está no ar mais uma edição do nosso podcast. Com bastante atraso, o convidado dessa vez é Jorge Vasconcellos, professor da UFF e doutor em Filosofia pela UFRJ, que conversou sobre Alphaville, de Jean-Luc Godard. A sessão, que encerrou a temporada 2010 do Ciência em Foco, foi uma homenagem aos 80 anos do mestre das telas.

Para facilitar o acesso, o podcast está dividido em duas partes. A primeira traz a palestra Jean-Luc Godard e o pensamento-cinema, onde Jorge discute como Godard radicalizou o projeto da modernidade cinematográfica, ao mesmo tempo em que abriu espaço para o chamado cinema contemporâneo. No segundo arquivo, temos o bate-papo com o atento público que esteve no auditório da Casa da Ciência da UFRJ, na tarde do dia 4 de dezembro.

Pedimos novamente desculpas pelo atraso em disponibilizar os áudios, mas vamos agilizar os próximos arquivos. Infelizmente, a palestra de fevereiro com Tadeu Capistrano, sobre o filme Videodrome, foi perdida definitivamente por problemas durante a gravação. Mas, na próxima semana, teremos o podcast com Patrick Pessoa, nosso convidado do mês de abril, que falou sobre A tarefa do tradutor segundo o Cortázar de Antonioni, após a projeção de Blow-up. Não percam!

1ª parte (33min.)



2ª parte (30min.)




Faça download dos arquivos em MP3:

1ª parte - 32 MB (arquivo zipado)
2ª parte - 29 MB (arquivo zipado)



segunda-feira, 18 de julho de 2011

Brasil, além da imaginação

Nas últimas duas semanas, aconteceu o tradicional Fantaspoa - VII Festival Internacional de Cinema Fantástico de Porto Alegre, apresentada pelos Correios e pelo Governo Federal. Com mais de 700 filmes exibidos, provenientes de mais de 30 países - e contando com diversas sessões comentadas por realizadores convidados -, o festival se firma a cada ano como um dos mais importantes e relevantes do gênero. Eles acabaram de divulgar os premiados desta edição. Confira aqui.

Porém, os admiradores do cinema fantástico brasileiros não têm do que reclamar, muito menos os cariocas. Em dobradinha com o Fantaspoa, outro importante festival, de origem recente, se inicia. Depois de três anos, volta hoje à cena carioca o Riofan - Festival Fantástico do Rio 2011, patrocinado pela Caixa e pelo Governo Federal, trazendo mais de 50 títulos às salas de cinema da Caixa Cultural, incluindo longas e curtas-metragens de ficção científica, fantasia e horror. Produções nacionais e internacionais inéditas formam a programação que se estende de hoje até o próximo domingo, dia 24 de julho.

Na abertura, será exibido o mais novo longa de John Carpenter, Aterrorizada (The Ward - E.U.A., 2011) que estava há 10 anos sem lançar um filme para cinema. Seu último filme havia sido Fantasmas de Marte (Ghosts of Mars), de 2001, no qual se misturavam diferentes gêneros cinematográficos. Desde então, ele colaborou com filmes de média-metragem para a série de TV Mestres do horror (Masters of horror).

Dentre as muitas atrações internacionais do festival, podemos destacar Um sussurro nas trevas (The whisperer in darkness), baseado no livro homônimo de H. P. Lovecraft, que pode ser considerado uma verdadeira homenagem ao cinema de gênero e aos filmes B de ficção científica e horror. Filmado inteiramente em preto e branco, evocando um estilo próximo dos filmes da década de 30, o filme traz uma interessante discussão em torno dos limites e tensões entre a realidade e a ficção, a partir das investigações de um cético professor sobre a possível existência de ameaçadoras criaturas extraterrestres.

Uma atração brasileira de destaque é o novo filme do cineasta capixaba Rodrigo Aragão, A noite do Chupacabras (2011), no qual a criatura, que dá título ao filme, aterroriza as vidas de duas famílias rivais no interior do Espírito Santo. Repleto de efeitos especiais, o filme é o segundo longa-metragem de horror de Aragão, que antes havia realizado Mangue negro (2008), premiado internacionalmente em festivais de cinema fantástico. Rodrigo Aragão também ministrará uma oficina de efeitos especiais no festival.

Para se inteirar da programação, acesso o site do Riofan. Com o crescimento de iniciativas como a destes festivais, filmes que muitas vezes passariam ao largo da sala escura conseguem obter o devido cuidado e atenção, sem contar o estímulo à produção nacional, cada vez mais interessada no cinema fantástico. Programem-se e divulguem!


sexta-feira, 8 de julho de 2011

Uma palavra vale mais do que mil imagens


Fahrenheit 451, título do filme que é atração do cineclube Ciência em Foco de 6 de agosto, faz uma referência à temperatura em que livros de uma sociedade totalitária são queimados. Nela, as crianças aprendem que livros são perigosos e não devem ser lidos e os adultos não se questionam sobre o que fazem. Tudo corre bem até que uma jovem da resistência pergunta a um bombeiro responsável por atear fogo em livros se ele já havia lido um dos milhões que queimou.
Inspirado no livro homônimo de Ray Bradbury e tido como um dos melhores filmes de ficção científica de todos os tempos, Fahrenheit 451 é ponto de partida para a palestra da filósofa e ex-integrante do programa da GNT Saia Justa, Marcia Tiburi. Será discutida a perda da subjetividade pela perda da palavra e o comprometimento dos afetos e da compreensão do mundo em função da fascinação pelas imagens. Qualquer semelhança com a sociedade em que vivemos não é mera coincidência.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

A voz feminina e o estranhamento da ficção

No último sábado, o filme O conto da aia, de Volker Schlöndorff, foi exibido no Ciência em Foco, abrindo a conversa com a professora de Literatura Inglesa da UERJ, Lucia de La Rocque, pesquisadora do IOC/Fiocruz e pós-doutora em Antropologia, Gênero e Ciência pela UFRGS. Sua fala, intitulada Distopia onde a voz feminina não tem vez, lançou olhares sobre o romance de Margaret Atwood, comentando a adaptação de Schlöndorff e de que forma a ficção científica feminista nos força a pensar sobre questões muito próximas de nós.

Lucia iniciou sua fala comentando a respeito da autora canadense, focando-se no reconhecimento que o romance recebeu. Comentando a distopia trazida pela representação do futuro no romance e no filme, Lucia salientou o fato de a supressão de liberdade estar ligada também à supressão de sentimentos, que se seguiu às guerras e foi propagada pela então atual autoridade fundamentalista cristã.

Foram trazidos à discussão alguns ecos do contexto sócio-histórico do romance e do filme, como exemplos do conservadorismo estadunidense da era Reagan, que defendia a negação das liberdades civis às mulheres e seu retorno às funções básicas da reprodução e às funções do lar. A ficção do filme também estabelece ressonâncias com outros tipos de práticas associadas a alguns fundamentalismos religiosos, assim como com o período puritano da Nova Inglaterra do século XVII. A ausência de nomes próprios às mulheres, sempre relacionados aos do marido, poderia ser considerada uma metáfora para práticas patriarcais das sociedades ocidentais.

A partir destas relações, é possível perceber algo da potência da ficção científica feminista: a possibilidade de se criar sociedades e situações alternativas às que existem na realidade, que nos fornecem o afastamento adequado para que percebamos justamente as questões associadas a este estranhamento. No caso, o filme nos permite abordagens que colocam em foco temas como a maternidade e a reprodução. Lucia comentou estes aspectos em relação com elementos contemporâneos, como a mercantilização do corpo feminino associado também às biotecnologias reprodutoras. O atual crescimento de clínicas de fertilização e reprodução assistida, o descarte de embriões em contradição com os movimentos contra o aborto, são alguns pontos que podem ser pensados e discutidos à luz da distopia de Atwood/Schlöndorff.

E as distopias continuam em nossa próxima sessão, que acontece no dia 6 de agosto. Exibiremos o clássico de François Truffaut, baseado no livro de Ray Bradbury, Fahrenheit 451 (Reino Unido, 1966). Teremos a honra de receber a filósofa e escritora Marcia Tiburi, doutora em Filosofia pela UFRGS e professora do programa de pós-graduação em Educação, Arte e História da Cultura da Universidade Mackenzie, SP, com a palestra Entre a escrita e a imagem. Marcia publicou vários livros, dentre eles, Filosofia em comum, Filosofia brincante, e os recém-lançados Filosofia pop e Olho de vidro - o estado de exceção da imagem. Não vai perder, não é?

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Vem pra cá, vem pra cá!


Amanhã é sábado, o primeiro do mês, dia de cineclube, dia de Ciência em Foco, dia de Ciência com cinema, dia de troca de ideias. Amanhã é sábado, o primeiro do mês de julho, dia de Lucia de La Rocque, de O conto da aia, de pensar o feminino, a ficção científica, as minorias historicamente oprimidas, a literatura e muitas outras coisas mais. Hoje, tem o trailer (só do filme). Aceita o convite?