No último sábado, o filme O conto da aia, de Volker Schlöndorff, foi exibido no Ciência em Foco, abrindo a conversa com a professora de Literatura Inglesa da UERJ, Lucia de La Rocque, pesquisadora do IOC/Fiocruz e pós-doutora em Antropologia, Gênero e Ciência pela UFRGS. Sua fala, intitulada Distopia onde a voz feminina não tem vez, lançou olhares sobre o romance de Margaret Atwood, comentando a adaptação de Schlöndorff e de que forma a ficção científica feminista nos força a pensar sobre questões muito próximas de nós.
Lucia iniciou sua fala comentando a respeito da autora canadense, focando-se no reconhecimento que o romance recebeu. Comentando a distopia trazida pela representação do futuro no romance e no filme, Lucia salientou o fato de a supressão de liberdade estar ligada também à supressão de sentimentos, que se seguiu às guerras e foi propagada pela então atual autoridade fundamentalista cristã.
Foram trazidos à discussão alguns ecos do contexto sócio-histórico do romance e do filme, como exemplos do conservadorismo estadunidense da era Reagan, que defendia a negação das liberdades civis às mulheres e seu retorno às funções básicas da reprodução e às funções do lar. A ficção do filme também estabelece ressonâncias com outros tipos de práticas associadas a alguns fundamentalismos religiosos, assim como com o período puritano da Nova Inglaterra do século XVII. A ausência de nomes próprios às mulheres, sempre relacionados aos do marido, poderia ser considerada uma metáfora para práticas patriarcais das sociedades ocidentais.
A partir destas relações, é possível perceber algo da potência da ficção científica feminista: a possibilidade de se criar sociedades e situações alternativas às que existem na realidade, que nos fornecem o afastamento adequado para que percebamos justamente as questões associadas a este estranhamento. No caso, o filme nos permite abordagens que colocam em foco temas como a maternidade e a reprodução. Lucia comentou estes aspectos em relação com elementos contemporâneos, como a mercantilização do corpo feminino associado também às biotecnologias reprodutoras. O atual crescimento de clínicas de fertilização e reprodução assistida, o descarte de embriões em contradição com os movimentos contra o aborto, são alguns pontos que podem ser pensados e discutidos à luz da distopia de Atwood/Schlöndorff.
E as distopias continuam em nossa próxima sessão, que acontece no dia 6 de agosto. Exibiremos o clássico de François Truffaut, baseado no livro de Ray Bradbury, Fahrenheit 451 (Reino Unido, 1966). Teremos a honra de receber a filósofa e escritora Marcia Tiburi, doutora em Filosofia pela UFRGS e professora do programa de pós-graduação em Educação, Arte e História da Cultura da Universidade Mackenzie, SP, com a palestra Entre a escrita e a imagem. Marcia publicou vários livros, dentre eles, Filosofia em comum, Filosofia brincante, e os recém-lançados Filosofia pop e Olho de vidro - o estado de exceção da imagem. Não vai perder, não é?
Nenhum comentário:
Postar um comentário