quarta-feira, 31 de julho de 2013

Qual o papel evolutivo da criação artística?


"Acredito que a afetividade, mais especificamente, a bondade, sejam tipos de conhecimento. Nossas sociedades, notadamente as ocidentais, têm ignorado muito destas dimensões; mas é óbvio que sem tolerância e acolhimento entre os seres vivos não há muita esperança para o futuro", Jorge de Albuquerque Vieira, Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, professor aposentado pelo Departamento de Astronomia da UFRJ, professor da PUC-SP e da Faculdade Angel Vianna e palestrante do Ciência em Foco de agosto.

1) Por que pensar a partir do cinema?

O cinema é um tipo de arte e em nosso trabalho consideramos tipos de artes como produtores de conhecimento; ou seja, a Arte não é mero entretenimento, mas sim uma característica evolutiva de nossa espécie, visando sempre a uma adaptação maior a uma realidade complexa.

2) O filme A máquina do tempo é baseado na obra de H.G. Wells, um dos clássicos da literatura de ficção científica inglesa. Tendo em vista o potencial especulativo destas obras com relação à realidade, capaz de projetar cenários ficcionais que provocam o pensamento acerca do nosso próprio mundo, de que modo seu caráter científico se articula ao artístico?
O caráter científico apóia-se no conhecimento que Wells tinha da ciência de sua época; ele nasceu em 1866 e ao longo de sua vida dedicou-se mais à Biologia (interagindo muito com Thomas Huxley) e, mais tarde, a publicações em Sociologia, Política e Filosofia. Tinha ideias pacifistas e socialistas. Sua produção máxima em ficção é do período de 1895 a 1900 (os dados acima foram retirados da contra-capa do livro “A Máquina do Tempo”, Francisco Alves, 1981).



Os escritores de ficção, embora não todos, possuem a característica de imaginar fatos “não existentes”, seja agora, ou no passado ou no futuro. É comum a preocupação mais atilada quanto ao futuro, quando eles têm formação científica e filosófica, avaliando as consequências das ações do ser humano no destino da própria espécie. Isso pode ser por meio de discursos fortemente científicos, como em alguns textos de Isaac Asimov, ou mesmo poéticos, como em Ray Bradbury. Wells situa-se a meio caminho entre essas duas posturas: ciência e sociologia, por exemplo. “A Máquina do Tempo”, “Os Primeiros Homens na Lua”, “A Guerra dos Mundos”, são típicos dessa tendência. Nestes casos, a criação artística identifica-se com a criação científica. Lembremos que a produção científica não se resume à forma de conhecimento discursiva, com ênfase na lógica: ela contém, geralmente no início de uma pesquisa, um caráter tácito e imaginativo que é mais típico da Arte. Fazer boa ciência implica fazer também algo com qualidade estética.

3) O senso comum associa a ideia de ciência à ideia de verdade, normalmente identificada a partir de métodos rigorosos que permitiriam uma leitura objetiva do real. De forma análoga, a ficção é comumente entendida como meio de afastamento daquilo que diz respeito à realidade. No entanto, ciência e ficção dialogam a todo momento. De que forma se dá esse diálogo, e como estes dois domínios se relacionam?

É um diálogo necessário, porque não temos acesso direto à realidade objetiva. O que acontece fora do nosso cérebro tem que ser devidamente codificado em neurônios, com todas as limitações que neurônios e codificações possuem. Essas limitações, resultantes de adaptações que se revelaram eficientes ao longo da nossa evolução, demarcam o que é chamado em Biosemiótica de “Umwelt”, a interface entre a objetividade da realidade e a nossa subjetividade. Parece-me visível que fazer ciência, principalmente a mais avançada, exige a produção de signos, em nossa “Umwelt”, para representar aquilo que parece existir objetivamente, mas fora do alcance de nossa elaboração perceptual. Atos de criação.



Por exemplo, ao que tudo indica existe algo associado ao espaço-tempo que representamos como “curvatura”; ela está fora do nosso alcance perceptual, adequado a três dimensões, mas testes (perguntas bem feitas à realidade) científicos fotografam, embora de maneira indireta, os resultados da curvatura do espaço-tempo ao alcance de “nossas” três dimensões. Imaginamos, sempre indiretamente, uma curvatura quadridimensional e buscamos comprovar isso pelos seus reflexos em três. Imaginação e criação.

A Arte me parece um tipo de conhecimento que trabalha possibilidades do real, explorando fortemente o nosso conhecimento tácito e nossa imaginação e, no caso da pesquisa científica, orientando a produção de teorias avançadas e de modelos. Este é um ponto de confluência entre os dois tipos de conhecimento.

4) As duas sociedades que habitam o mundo no futuro, no filme de George Pal, podem ser entendidas como desdobramentos possíveis de certas características atuais da civilização, como o ideal de progresso e a desigualdade social. Como pensar as tensões entre o progresso científico e a ética, situando a produção de conhecimento como dimensão política?

Creio que uma tentativa de avaliar esse problema consiste em considerar outros tipos de conhecimento, além da ciência e tecnologia. A Ética, por exemplo, é componente da Axiologia, a teoria dos valores. A questão é que nosso conhecimento, ainda primitivo, é complexo, já que tem que lidar com uma realidade muito, muito complexa. Conhecemos “bem” alguma coisa quando este conhecimento, acima de tudo, é capaz de nos manter vivos, permanentes no tempo. O papel evolutivo do conhecimento é a sobrevivência. O que pode nos destruir é a crença no sucesso e suficiência de um único tipo de conhecimento e o abandono de outros. Uma sobrevivência complexa em meio ao complexo só me parece possível quando elabora valores e outros aspectos de nossa vida. Por exemplo, acredito que a afetividade, mais especificamente, a bondade, sejam tipos de conhecimento. Nossas sociedades, notadamente as ocidentais, têm ignorado muito destas dimensões; mas é óbvio que sem tolerância e acolhimento entre os seres vivos não há muita esperança para o futuro. É preciso não esquecer que nossa espécie já se tornou capaz da autodestruição. Como disse Edgar Morin, o Homo sapiens sapiens é também o Homo demens.



5) Roteiros alternativos - espaço dedicado à sugestão de links, textos, vídeos, referências diversas de outros autores/pesquisadores que possam contribuir com a discussão. Para encerrar essa sessão, transcreva, se quiser, uma fala de um pensador que o inspire e/ou seu trabalho.

Jakob Von Uexkull, pai da biosemiótica. Bom livro dele: “A stroll through the worlds of animals and men”. Boa frase dele: “As únicas leis que conhecemos são as leis dos signos”.

6) Como conhecer mais de suas produções?
Os pontos principais de meus trabalhos estão contidos em 3 livrinhos, pertencentes a uma trilogia cujo título em geral é “Formas de Conhecimento: Arte e Ciência” com os volumes (1) Teoria do conhecimento e Arte, (2) Ciência e (3) Ontologia.

terça-feira, 23 de julho de 2013

a ficção desafia o conhecimento


Ciência em Foco apresenta A máquina do Tempo, filme de George Pal, seguido da palestra “Ficção e produção de conhecimento”, com Jorge de Albuquerque Vieira, Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, professor aposentado pelo Departamento de Astronomia da UFRJ, professor da PUC-SP e da Faculdade Angel Vianna.

A ficção científica britânica data de 1960 e seu roteiro é baseado em um livro de H. G. Wells (1866-1946). Um cientista de nome George, interpretado por Rod Taylor, no final do século XIX, constrói uma máquina que lhe permite viajar no tempo. Em suas primeiras incursões, George alcança os anos de 1917 e 1944, presenciando dois conflitos mundiais. Sonhando com um futuro de paz e para escapar às adversidades que ameaçam a máquina do tempo e sua vida, ele ousa viajar ao longínquo ano de 802.701. Nele, encontra duas sociedades de descentes dos humanos, os Morlocks e os Elois, e confronta-se com novos desafios e conflitos, envolvendo-se radicalmente com o futuro dessas espécies.

O professor Jorge Vieira, partindo da temática do filme, discutirá em sua palestra o conceito de "ficção eficiente", que “revela a tentativa de lidar com possibilidades da realidade além dos nossos limites cognitivos encontrados na produção do conhecimento”.

Precursor de muitos temas que serão aprofundados em ficções científicas mais recentes, livros de H. G. Wells como O homem invisível, A ilha do Dr. Moureau e A Guerra dos Mundos, continuam a inspirar diversas versões cinematográficas. A máquina do tempo, por exemplo, teve uma nova versão em 2002; desta vez, dirigida por Simon Wells.

Esperamos por você!

segunda-feira, 15 de julho de 2013

a atualidade do passado

Mais um podcast superesperado! No encontro de agosto, a psicanalista,escritora e integrante da Comissão da Verdade Maria Rita Kehl convidou a todos para uma reflexão em torno de uma história sufocada do “corpo de todos nós”. Imperdível!
Clique abaixo para ouvir a palestra (80min.) ou baixe aqui o arquivo zipado (73MB).







quarta-feira, 3 de julho de 2013

Por que a tragédia não nos é contemporânea?



“O cinema participa de um tipo ou modo de linguagem capaz de dar carne ao pensamento”, Alexandre Costa, doutor em Filosofia, professor do Departamento de Filosofia da UFF e palestrante do Ciência em Foco de julho.
1) Por que pensar com o cinema?
Além de contar com um acervo extraordinário, reunindo ao longo de sua história uma série de obras cuja beleza e teor de pensamento são literalmente memoráveis, o cinema participa de um tipo ou modo de linguagem capaz de dar carne ao pensamento, tornando-o sensível por meio de suas imagens, de seus sons, de suas falas; dessa forma ele dispõe, potencialmente, de uma força de sedução invejável, porque apresenta, unidos, prazer e reflexão, estimulando o pensamento ao mesmo tempo que nos instiga os sentidos.



2) Além de Medeia (Medea - 1969), Pasolini possui em sua filmografia dois outros filmes que dialogam com a tragédia grega: a adaptação ficcional Édipo Rei (Edipo Re - 1968) e o documentário Apontamentos para uma Oréstia africana (Appunti per un'Orestiade africana - 1970), que acompanha os ensaios e as filmagens para uma possível adaptação de tragédias de Ésquilo no continente africano. Em todos eles, destacam-se as estratégias de atualização dos temas suscitados pelos mitos que povoam os textos clássicos. Sendo assim, como pensar a transposição e a reativação dos temas trágicos a partir do cinema?
Acho que o Pasolini é um bom exemplo de como fazer isso a que você nomeou “a transposição e a reativação dos temas trágicos” pelo cinema. É que Pasolini não nos apresenta, jamais, adaptações formais dessas tragédias que ele decidiu filmar. Se alguém não conhece o enredo dessas histórias ancestrais, não será pelos seus filmes que passará a conhecê-lo. Sua relação com as obras trágicas e, mais do que isso, com o “mundo” e o idioma que as criaram, se dá claramente por meio de uma apropriação explícita: Pasolini sabe que é preciso trair a tragédia para que ela se possa fazer atual; por isso suas traduções cinematográficas para essas tragédias gregas mostram um grande grau de intervenção do autor, no esforço de estabelecer um diálogo efetivo com o trágico, uma “voz” que ele mesmo, Pasolini, reconhece nos ser hoje tão estranha e estrangeira a ponto de não a reconhecermos, a ponto de estarmos surdos para ela. É esse, por sinal, o tema principal de sua Medeia – o que nos afasta tão decididamente do homem antigo que nos deu origem histórica? Por que a tragédia e sua poesia, a narrativa e o pensamento míticos tornaram-se progressivamente uma voz cada vez mais difusa e distante? Trata-se de um arranjo delicado, situado em perspectiva histórica: Pasolini nos faz ver que, em se tratando de Ocidente, é preciso reconhecer que aquilo mesmo que nos é berço e fundamento e que, por esse motivo, sempre nos é mais ou menos próximo, ainda que inconscientemente, é também irrecuperável, como se fosse um alfabeto perdido, dificilmente reconhecível.

3) De que forma poderíamos articular a experiência do espectador e sua relação com a cena trágica, na Antiguidade, com a experiência do espectador de cinema ao longo de sua história?



Acredito que simplesmente não teríamos como articulá-las. E este acaba sendo um bom exemplo, um possível efeito do desencontro histórico que tanto fascinará e incomodará Pasolini: o espectador de cinema já nasceu num tempo em que sua audição para o trágico, em particular, já esmaeceu; além disso, o modo de esse espectador fruir a experiência estética em geral é também tão radicalmente outro que a experiência vivida num antigo teatro grego lhe seria, ao que parece, impossível de reproduzir. A começar por essa distinção subliminar que eu acabo de fazer sem sequer tê-la percebido: um daqueles antigos “espectadores” não ia ao teatro para ver “arte” ou “entretenimento” ou qualquer outra palavra que pudéssemos usar aqui; ele ia ver a representação do que julga ser a própria realidade, posta diante de seus olhos por meio do rito e da festa litúrgica que o antigo teatro grego era; tratar as tragédias gregas tendo-as, em primeiro plano, como fenômeno artístico revela nosso anacronismo e diz, de fato, muito mais de nós do que dela, de seu tempo e de sua fala.


4) Impossível não aproveitar a oportunidade para dedicar uma das perguntas aos recentes acontecimentos das manifestações em cidades pelo Brasil, reunindo diversas bandeiras pela melhoria geral da qualidade de vida. Tendo em vista que o filme de Pasolini é uma visão sobre a tragédia de Eurípides, e levando em conta o papel político da tragédia na Antiguidade e sua relação com a vida na cidade, haveria algum modo de pensar os impasses que nosso país vive na época atual, a partir de um paralelo com a apresentação mítica ou com sua atualização cinematográfica? Sem entregar muito de sua fala, de que modo a tragédia nos é contemporânea?
Pelo que disse anteriormente, parece ficar claro que essa questão se apresenta para mim justamente pelo seu avesso. A pergunta é: como e por que a tragédia não nos é contemporânea? É basicamente sobre isso que pretendo falar em minha exposição.

5) Como conhecer mais de suas produções?
No que se refere especificamente ao meu trabalho com interpretação de filmes e crítica cinematográfica, publicamos recentemente, eu e Patrick Pessoa, um audiolivro editado pela NAU Editora, intitulado “A história da filosofia em 40 filmes”, obra resultante da mostra homônima, realizada no Teatro Nelson Rodrigues entre maio de 2009 e março de 2010. Sobre essa mostra – e também sobre a sua segunda edição, ocorrida entre 2011 e 2012 – pode-se visitar o site www.lavoroproducoes.com.br, onde será possível encontrar os áudios originais das palestras e demais informações acerca do evento. Obrigado.

terça-feira, 2 de julho de 2013

A alegria das chanchadas no Cinerama


As chanchadas invadem a Praia Vermelha! Nesta quarta-feira, a sessão do cineclube Cinerama, da Escola de Comunicação da UFRJ, apresenta a comédia Alegria de viver (Brasil, 1958), de Watson Macedo, estrelada por Eliana Macedo e John Herbert. A sessão será precedida pelo curta-metragem Como se faz um filme (Brasil, 1955), de J. B. Tanko.

Depois da exibição dos filmes, haverá uma conversa com o pesquisador Hernani Heffner, chefe de preservação da Cinemateca do MAM. Para quem acompanha o Ciência em Foco, deve lembrar da participação dele em nossa sessão de dezembro de 2009. Hernani também assina o prefácio de nosso primeiro livro.

A entrada é franca e a sessão acontece às 19h desta quarta-feira, dia 3/7, no auditório da CPM da ECO/UFRJ, no campus da Praia Vermelha. Acompanhe a página do Cinerama no Facebook e fique por dentro dos detalhes da programação. Boa sessão!

Para ajudar a entender o momento atual


Em tempos de manifestações e desejos de mudanças políticas, crescem na cidade os eventos e debates dedicados a pensar o desafiador momento atual. Um desses momentos privilegiados será a próxima sessão do cineclube Cinemarx, uma iniciativa em cine-debate universitária do Instituto de Educação Física da UFF (IEF/UFF). que exibirá o documentário Utopia e barbárie (Brasil, 2009), de Silvio Tendler.

Ao abordar as transformações do mundo do pós-guerra, as utopias e os momentos conflituosos que se seguiram, o diretor traça um panorama das revoluções do século XX, o desmonte das utopias da geração de 1968 e as novas utopias do mundo globalizado. Após a sessão haverá uma roda de conversa. Visualize aqui o flyer eletrônico e divulgue nas redes.

Um programa imperdível para quem busca compreender a novidade do momento atual, a partir das ferramentas históricas das perspectivas que o precederam. A sessão acontece nesta quarta-feira, dia 3/7, Às 14h. O CineMarx acontece em Niterói, na Sala Rosa do IEF/UFF, no Campus Esportivo do Gragoatá (Av. Visconde do Rio Branco, s/n - Centro). A entrada é franca. Bom início de semana, e boa sessão!