quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Conversando com Erick Felinto





"Temos que recuperar a capacidade de nos espantar com as coisas", Erick Felinto - Doutor em Letras pela UFRJ, professor do PPGCOM da UERJ, membro fundador e diretor científico da ABCIBER e palestrante do Ciência em Foco de 5 de novembro.

1) Conte-nos um pouco da história de sua relação com as imagens e o cinema.



Sempre tive uma relação muito intensa com o cinema, tanto na perspectiva teórica de pesquisador como enquanto apreciador. Fui membro do conselho científico da Socine durante dois mandatos e, no momento, desenvolvo uma pesquisa sobre a teoria do cinema em Vilém Flusser. Publiquei dois livros sobre cinema - A Imagem Espectral: Comunicação, Cinema e Fantasmagoria Tecnológica (Ateliê: 2008) e Avatar: O Futuro do Cinema e a Ecologia das Imagens Digitais (Sulina: 2010), com Ivana Bentes. Tenho um interesse especial por cinema de fantasia e de horror, trabalhando a questão dos gêneros cinematográficos, mas também me tocam as questões da teoria do cinema e do cinema digital. O último capítulo do livro História Mundial do Cinema (Papirus: 2006), organizado por Fernando Mascarello, foi escrito por mim e trata do cinema digital.

2) Em diversos momentos de Donnie Darko, os elementos da narrativa nos provocam um fascinante estranhamento. De que maneiras o estranho pode nos fazer pensar?

O estranho produz certo distanciamento do mundo cotidiano, da dimensão do já conhecido, para nos lançar num horizonte de novidade e potências inexploradas. A teoria literária russa descreveu isso como o efeito de 'ostranenie' (estranhamento). Quando lemos em Kafka: "Certa manhã, Gergor Sansa acordou e viu que tinha se transformado em um enorme inseto", todo nosso sistema racional de certezas e expectativas sobre o mundo se desmorona. Interessa-me muito como a noção de 'ambiência' (Stimmung), de Hans Ulrich Gumbrecht, pode ser aplicada a filmes como Donnie Darko, classificados normalmente como 'de fantasia'. Nessa espécie de filme, tão ou mais importante quanto a narrativa é a criação de determinadas 'ambiências' ou 'climas', que nos transportam para diferentes épocas ou mundos. Donnie Darko é um filme excepcional nesse sentido.




3) Outrora marginalizado, ou restrito a certos nichos, nos anos recentes temos visto o surgimento e o crescimento de festivais de cinema fantástico, que englobam em geral gêneros como a ficção científica, a fantasia e o horror. O Festival do Rio deste ano também dedicou boa parte de sua programação aos filmes destes gêneros. Em sua visão, estaria havendo um crescimento do interesse em produções deste tipo? Como você analisaria, em linhas gerais, suas prováveis potencialidades?

Sem dúvida o gênero tem se popularizado rapidamente, como prova o sucesso de festivais como o Fanrio ou o Fantaspoa. Creio que esse êxito expressa um anseio social pela vivência de outras realidades que não as já conhecidas e exaustivamente exploradas pelos gêneros tradicionais. Os meios de comunicação tomaram o lugar que antes a literatura ocupava no sistema das funções sociais até o século XIX, pelo menos. Eles encolheram o espaço da imaginação ao oferecer fórmulas muito prontas. Mas certo cinema de fantasia permite, acredito, recuperar algo da experiência de maravilhamento com o mundo do qual a ciência moderna nos privou. Temos que recuperar a capacidade de nos espantar com as coisas.

4) A fantasmagoria, enquanto um truque tecnológico envolvendo projeção de imagens a partir de uma fonte luminosa, sempre esteve associada ao imaginário dos primórdios do que veio a ser o cinema. Sem entregar muito da sua fala, e tendo em vista o título que escolheu para ela, poderia apontar algumas questões atuais envolvendo a fantasmagoria, trabalhadas em suas pesquisas na área de comunicação?

A fantasmagoria era a arte de produzir sombras e efeitos fantasmagóricos com aparatos como a lanterna mágica. Essa dimensão do mágico, do efeito visual sobrenatural, é de extrema importância na história do cinema. Eu diria que a 'imagem' do fantasma tem um papel importante para a compreensão fenomenológica da experiência cinematográfica. Mas realmente prefiro guardar maiores detalhes para a palestra.



5) Comente sobre as tensões de se pensar os gêneros como fronteiras em meio a um contexto mundial em que elas parecem ruir por todos os lados.

O conceito de gênero como forma pura sempre foi problemático, mas hoje, mais que nunca, ele se encontra erodido pelas práticas de hibridação da cultura contemporânea. Isso não significa que tenhamos que abrir mão dele, mas precisamos repensar suas definições. Aprecio muito, por exemplo, a ideia de 'gêneros do corpo' (body genre), para definir o horror e a pornografia. Mas temos de ter em mente que uma das características dos gêneros típicos da cultura midiática é precisamente sua indefinição de fronteiras. Se Hollywood ainda opera com padrões normativos que tentam, a todo custo, definir as fronteiras de um gênero (e o público ao qual ele é dirigido), as experiências fílmicas menos tradicionais (como Donnie Darko) põem em questão essa suposta estabilidade das formas.

Conheça um pouco mais dos trabalhos e discussões de Erick Felinto acessando o seu blog de pesquisa: http://poshumano.wordpress.com/

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