terça-feira, 16 de outubro de 2012

Para onde caminha a humanidade?




Assistir a uma obra-prima da ficção científica. Este é o convite do Ciência em Foco de 3 de novembro. O filme de Stanley Kubrick (que escreveu o roteiro juntamente com Arthur C. Clarke) data de 1968, porém conserva até hoje sua enigmática atualidade. Talvez, por isso, a palestra a ser realizada pelo professor da UFRJ Fernando Santoro, após a exibição, faça referência a Parmênides, filósofo grego nascido em 530 a.C..

Para Fernando, os versos atribuídos ao filósofo da cidade de Eleia – “Brilho noturno de luz alheia vagando em torno à Terra” – aparecem como o testemunho mais antigo de conhecimento científico do fenômeno da projeção solar em outro corpo celeste, cuja peculiaridade está em obter pela reflexão do pensamento um resultado totalmente diverso do que nos oferecem as aparências. Em 2001: uma odisseia no espaço está o desafio em compreender para além das aparências o sentido da própria evolução humana.

Sob o argumento de estabelecer contato com um fabuloso monólito negro que parece emitir sinais de outra civilização, uma equipe de astronautas, liderada pelos experientes David Bowman (Keir Dullea) e Frank Poole (Gary Lockwood), é enviada à Júpiter. Há, porém, outro tripulante na nave Discovery: o computador HAL9000, que controla a missão e dialoga com a tripulação, até o momento em que planeja exterminá-la. Sua dimensão de máquina em constante aprendizado lhe oferece o pior dos sentimentos: o medo da morte ou, em contrapartida, a avidez por conhecer o próprio sentido da existência.

Na trilha sonora, a inesquecível valsa Danúbio Azul, de Johann Strauss II, e o famoso poema sinfônico de Richard Strauss, Assim Falou Zarathustra, acompanham como num balé os fabulosos saltos de conhecimento da humanidade desde a pré-história ao desconhecido futuro, traduzidos em imagens e efeitos visuais que valeram ao filme o Oscar de Melhor Efeitos Visuais. 

Imperdível!

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

O anonimato e a afirmação do inapreensível


A sessão do último sábado do Ciência em Foco apresentou o filme Santiago (2007), de João Moreira Salles, seguido da palestra de Luis Antonio Baptista. O professor titular do Departamento de Psicologia da UFF esmiuçou o que ele havia chamado, no título de sua palestra, de uma 'ética do anônimo', começando sua fala com um esclarecimento metodológico: apesar de ser psicólogo e atuar, no meio acadêmico, com a psicologia, seu interesse no cinema não se reporta à utilização dos filmes como instrumentos capazes de ilustrar determinados conceitos e teorias. Em seu lugar, busca-se utilizá-los com a perspectiva de provocar interrogações e inquietações que movimentem elementos teóricos de seu campo de pesquisa. Para ele, o cinema é capaz de transfigurar o real na medida em que provoca o estranhamento - mais que o entretenimento - , anunciando-nos novos modos de olhar o mundo e a nós mesmos. Com relação ao cinema documentário, o que estaria em jogo? Luis afastou a restrição das características do documentário à mera informação de um fato ou denúncia de uma realidade. Se o documentário permanece neste registro, limitam-se as possibilidades inventivas que são próprias aos modos de produção do filme, suas apostas estéticas, que não se referem somente ao objeto ao qual se quer direcionar a atenção.

Santiago é um filme que escapa ao modelo de um documentário confessional, deslocando e destruindo  fronteiras daquilo que se poderia imaginar ser o espaço próprio ao diretor e ao de seu então mordomo. Devido aos seus procedimentos estéticos, com sua montagens e na retomada do filme anteriormente inacabado de Salles, aos poucos vão se construindo novas fronteiras e outras espacialidades nas relações até então colocadas, que adquirem outras configurações. Para Luis, a beleza do documentário estaria neste deslocamento e rearranjo das fronteiras entre Eu/Outro. Para fundamentar uma ética subjacente a esta proposta, Luis comentou algumas ideias do filósofo francês Michel Foucault, publicadas em um prefácio para o livro Anti-Édipo, de Gilles Deleuze e Félix Guattari. No texto, que completou 40 anos em 2012, Foucault caracteriza o que chamou de vida fascista, uma noção que desloca certas características do fascismo de sua pontualidade na História, ampliando-as para salientar ameaças e perigos atuais relacionados aos modos de vida das pessoas e das instituições, quando somos levados a desejar determinadas configurações de poder que exploram a vida, limitando suas potencialidades. A consequência política deste cenário, influindo diretamente sobre o corpo e o desejo, é o risco de se entender o outro, a diferença, como algo que deve ser tolerado, destituído de sua capacidade de oferecer estranhamento ou ameaça. Santiago poderia ser lido, segundo Luis, como um alegre fracasso de uma tentativa de purificação ou elevação espiritual. O pretenso jogo de mea culpa do diretor é invadido por elementos casuais que instauram algo da ordem do imponderável, interferindo no modo como ele próprio - o diretor - percebe o outro a quem filma, e a si mesmo.

Adentrando a questão da potência do anonimato, Luis Antonio salientou o perigo inerente à noção de confissão: a palavra implica em uma lógica binária do Bem/Mal, que pressupõe um pecado, uma falta. As práticas confessionais, com toda a força de sua tradição, reforçariam a busca por uma natureza essencial do Eu, quando se acredita expor algum tipo de verdade associada à vida de uma pessoa. O filme de João Moreira Salles, na leitura de Luis, coloca em cheque o Eu "confessor" e seu protagonismo, apostando na procura do anônimo quando desconfia da soberania do Eu. Na fragmentação do filme e dos anseios do diretor, abre-se o espaço para que o inominável venha perturbar o conforto das definições tidas como sólidas. Portanto, uma ética do anônimo seria definida por sua referência ao transtorno provocado pelo indefinido, pela potência impessoal que arrebata as nossas expectativas, fazendo com que o contato com a alteridade, com a diferença, seja uma forma de reavaliação e refabricação de si mesmo. Referindo-se ao filósofo e crítico literário Maurice Blanchot, Luis Antonio apresentou sua distinção entre a forma do diário e a forma narrativa. O diário, como um gênero literário, se aferra ao calendário, aos sentimentos e às vigilâncias do eu sobre sua própria vida, na busca de uma definição de si mesmo. A narrativa, diferentemente, enquanto parece narrar ou representar determinada realidade, está de fato nos trazendo aquele próprio acontecimento que narra, sua vivência para aquele que lê.

Santiago, que poderia ser confundido com uma espécia de diário de João Moreira Salles, na verdade apresenta características narrativas na medida em que pode ser tomado por um acontecimento, quando se permite, por meio da montagem e da fragmentação, trazer não uma pretensa verdade sobre seu mordomo, mas chamar atenção para os próprios procedimentos de confecção e montagem de verdades. Luis Antonio considera o ato de fragmentar como um grande legado ético do cinema para os que procuram refletir sobre a existência humana. Tendemos a fazer de nossa vida uma grande continuidade em constante aperfeiçoamento, em busca de uma completude diante da qual qualquer distúrbio ou interrupção seriam encarados como potenciais motivos de frustração. O ato de fragmentar traz a perspectiva do desvio, abrindo espaço para infinitas possibilidades de existência. Em sua conclusão, comentando a cena do filme Tokyo Story (1953), de Yasujiro Ozu - utilizada por Salles no filme -, Luis Antonio chamou atenção para o risco de se frustrar com o fracasso e a decepção que advêm quando são traídas as nossas promessas de felicidade, sempre correspondentes a apostas prévias em determinadas verdades. No caso do filme, a aposta ética de incorporar o fracasso da busca de um sentido daquilo que seria uma verdade de Santiago - ou de seu diretor - é também responsável por sua beleza. O funcionamento da ética do anônimo mostraria, antes, a beleza e a alegria do entendimento da vida como decepção, já que não se vislumbra a perspectiva da linearidade, da continuidade e do sucesso, mas a afirmação do inapreensível.

Nossa próxima sessão acontecerá no dia 3 de novembro, logo após o feriado do dia 2. Exibiremos o filme 2001: uma odisseia no espaço (2001: a space odyssey - E.U.A./Reino Unido, 1968), clássico de Stanley Kubrick e um dos maiores ícones da história do cinema e da ficção científica. Após o filme, teremos a honra e a alegria de receber, como convidado do mês, Fernando Santoro, professor do Departamento de Filosofia da UFRJ, doutor em Filosofia pela UFRJ, pós-doutor pela Universidade de Paris IV e coordenador do Laboratório OUSIA de Estudos em Filosofia Clássica. Ele apresentará a palestra Parmênides e a luz do luar. Anotem na agenda e divulguem! Esperamos por vocês. Até lá!




quarta-feira, 3 de outubro de 2012

(des)conhecendo o outro

Mais um podcast saindo do forno! No encontro de maio, o professor do Departamento de Cinema e Vídeo da UFF, Cezar Migliorin, discutiu sobre a complexidade da relação com o outro mediada pelo cinema, após a exibição de As hiper mulheres. Aproveite!

Clique abaixo para ouvir a palestra (72min.) ou baixe aqui o arquivo zipado (67MB).