terça-feira, 26 de abril de 2011

Henrique Antoun, de carne e película

Em conversa com o professor de Comunicação da ECO/UFRJ e pesquisador do CiberIDEA, Henrique Antoun, próximo palestrante do Ciência em Foco, o filme Cidade dos sonhos foi ponto de partida para uma instigante reflexão sobre a arte:





“Uma das principais características da arte é dotar o universo material que a constitui de uma intensa sensibilidade, fazendo com que, muitas vezes, nós nos surpreendamos com aquilo e acreditemos que aquele material foi tocado pela vida. A conversa que quero ter é para pensar esse toque de vida que a arte pode ter, mesmo nas coisas mais inanimadas”.

1) Fale um pouco de sua formação e de sua relação com o cinema.

Me formei em design. Na época da faculdade, andava com uma garotada ligada ao cinema, via muito filme, gostava muito de cinema, tinha uma relação com Torquato Neto, andava com o pessoal que fazia a revista CineOlho. Tinha uma ligação boa com o cinema, via muito filme, muita nouvelle vague, muito filme europeu, fora do esquemão Hollywood. Depois da faculdade, comecei a dar aula muito cedo na PUC, no design. Nesse período, reencontrei o cineasta André Faria, e ele ia lançar Prata Palomares. Sempre tive muito interesse pelo cinema de autor, de criação, de pensamento.


2) O filme Cidade dos sonhos pode ser lido, entre muitas outras possíveis leituras, como um pesadelo ligado ao mundo da indústria cinematográfica de Hollywood - entendido, ao reverso, como uma fábrica de sonhos. Sem entregar muito de sua fala, de que forma Lynch nos permite, neste filme, uma abertura para pensarmos a mídia?


O filme faz parte de uma trilogia, que começa com A estrada perdida (Lost highway – E.U.A., 1997) e termina com Império dos sonhos (Inland Empire – E.U.A., 2009), e é uma longa reflexão sobre a relação última e violenta que o cinema estabelece com a televisão após os anos sessenta, momento em que Hollywood vai ser comprada pelas grandes mídias de televisão. Até então, os filmes eram filmes em que “nada acontecia”, não eram cheios de ação, surpreendentes. Hollywood começa se reerguer com Coppola, Scorsese, Spielberg, cineastas que, a princípio, são marginais. Os filmes que vão fazer sucesso são filmes que a princípios não se acredita que vão fazer sucesso. As grandes empresas de comunicação remodelam os estúdios nos anos 70. Esse cenário se assemelha ao das personagens no início de Cidade dos sonhos: duas moças virgens, sem violência, que faziam teste para um filme de juventude. O cineasta, no filme, tem um ar de cineasta europeu e está sempre sob pressão do estúdio porque ele não quer aceitar a atriz. Cidade dos sonhos oscila entre filme noir e filme de juventude e faz uma paródia de Hollywood: fala-se do domínio que a TV tem sobre Hollywood e que começa quando esses dois projetos colidem. Nos anos 70, Hollywood passa a ser um apêndice da TV e se dedica a fazer séries de sucesso, que passam a dominar a produção. Guerra nas estrelas, o Poderoso Chefão, Indiana Jones fazem Hollywood voltar com toda força, mas isso é tudo muito diferente do que se fazia até os anos 60. A partir daí, a indústria cinematográfica se salvou se casando com a TV, mas perdendo possibilidades que ela procurou desenvolver nos anos 60: os filmes cabeça, em que o filme pensa e as pessoas pensam junto. Em Cidade dos sonhos, portanto, acontece uma retomada analítica de tudo o que está acontecendo com o cinema. Há duas figuras emblemáticas: o mendigo que domina a caixa azul (que poderia ser pensada como a televisão), que é a grande massa marginalizada, que se exprime nas exigências de grandes números, impedindo que as histórias possam ser contadas de maneira adulta, dominando a programação, e também a chorona de Buenos Aires, que diz que “aqui não tem nada”, tudo é falso, tudo é simulacro. É como Hollywood: nada é feito ali, tudo é apropriado, tomado. Hollywood sobrevive do que é feito em outro lugar do mundo. É como se a TV tivesse matado esse antigo projeto e ele sobrevivesse: ele é um cadáver morto, escondido em algum quarto. A miséria guarda o segredo da caixa azul e domina também pelo segredo do simulacro.






3) Lynch produz filmes intensos, que costumam chacoalhar as expectativas atreladas às narrativas tradicionais, amarradas a seus nós centrais. É possível dizer que o pensamento "em rede", evocado por Cidade dos Sonhos, promove uma potencialização da experiência artística? Seria David Lynch um cineasta hipertextual?


Penso que ali tem um elemento em rede importante, que ultrapassa a própria história que o cinema está contando. É como se o filme fosse profundamente afetado por aquilo que se passa nele, pela história que está narrando, que é algo vivo. Esse me parece ser um elemento que faz a diferença em todo esse movimento de análise. É como se o cinema reagisse intensamente a tudo o que se passa nele. É como se ele não tivesse outra opção senão reagir contra isso que termina com sua morte. Não existem mais cinema de diretor, nem historinhas açucaradas honestas, histórias realistas honestas, mas aquele diagnóstico da morte se mostra enganoso. É como se a película se tornasse uma carne, um material vivo, que não é indiferente ao que lhe toca. Diferentemente do fogo, da terra, do ar, a carne é totalmente afetada por aquilo que lhe atravessa. É como se o filme fosse uma película dotada de uma carne.

4) Na exposição Sensações do Passado Geológico da Terra, atualmente em cartaz na Casa da Ciência da UFRJ, existe um módulo dedicado a representar o momento presente de nosso planeta, cujo tempo é marcado pela dependência crescente das tecnologias de comunicação e seus mundos virtuais. Levando em conta os espaços reais e virtuais pelos quais transitam os personagens enredados na trama Cidade dos sonhos, e a provocação trazida por este módulo da exposição, seria possível pensar uma ética deste tempo presente, a partir de uma reconfiguração da sociedade trazida por estes espaços de sonho (ou pesadelo)?


O problema é menos o sonho e mais o sono. Se a gente vive num planeta como se ele não fosse nosso, como se fosse um sonho de outro alguém e nos deixamos levar pela indiferença, se estamos aqui provisoriamente, o pesadelo não tem solução. Atua-se sobre o planeta nessa tentativa de extrair o máximo de futuro no presente, na forma de exploração. Vive-se como se o planeta estivesse morto e ele fosse indiferente a tudo isso. Finge-se que não se habita o planeta. Se o sonho não for um mero modo de obter um mero lucro, será possível construir alguma coisa.

5) Como conhecer mais de suas produções?




Quem quiser entrar em contato comigo, deixo meu email: hantoun@gmail.com Trabalho na Comunicação (ECO/UFRJ) desenvolvendo pesquisas sobre as tecnologias, a cultura e a subjetividade do mundo contemporâneo.




Dia 7 de maio, esperamos por você!




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