quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Um fim de semana com Curta no Botequim

Neste início de dezembro, com o calor do verão se aproximando de mansinho, o cinema e o botequim são sempre ótimas opções. Melhor ainda se você puder unir o cinema com a cerveja gelada e o clima do botequim. É o que promove há mais de um ano o Cine Botequim, o criativo estabelecimento boêmio carioca que mistura a cultura de botequim da cidade com o universo do cinema.

Além de promover sessões duplas diárias, cada dia dedicadas a um tema ou gênero cinematográfico, o bar recebe todo segundo sábado do mês o cineclube Curta no Botequim, uma realização do coletivo Ovo de Prata. A ideia é fazer uso do espaço informal do botequim como ponto de encontro, exibição de filmes e discussão com novos realizadores e amantes do cinema.

Neste sábado, dia 10/12, a programação começa com a tradicional feijoada, servida às 12h, seguida da sessão de curtas-metragens. Serão exibidos os filmes Roderia!, de Leo Jesus, Quero ser Jack White, de Chalry Braun e Procura-se uma banda!, de Simone Castro. Após a sessão, acontece a também tradicional roda de samba com o grupo Terreiro de Breque, que contará com a participação especial de Noca da Portela e Maria Santafé. A entrada é franca!

O Cine Botequim fica na rua Conselheiro Saraiva 39, no Centro. Veja a programação semanal completa do Cine Botequim e conheça melhor o espaço visitando seu site, aproveitando para se programar para possíveis happy-hours cinematográficas nesta época que precede as festas. Boa diversão!

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

O drama da objetividade, com Antonioni

No último sábado, tivemos o encerramento da temporada 2011 do Ciência em Foco. Como ao longo de todo o ano diversas sessões propuseram intensas discussões envolvendo a imagem, esta última sessão conseguiu fechar com chave de ouro nosso ciclo, com o professor Paulo Domenech Oneto, da ECO/UFRJ, oferecendo inúmeras portas de entrada para pensarmos questões a partir do filme Profissão: repórter, de Michelangelo Antonioni (diretor já conhecido do nosso público por conta da sessão de abril).  Dadas as diversas entradas que o filme permitia, Paulo optou por demarcar alguns pontos que, a partir da imagem, nos permitem pensar o sujeito e a identidade, diante de impasses que nos levam a refletir sobre o que está em jogo no olhar que se pretende objetivo.

No filme, que se apresenta como um falso filme de ação e de espionagem, a relação sujeito-objeto só aparece como uma impasse, como um problema, bastante marcado pela profissão do personagem - o trabalho do jornalista -, que nos traz imediatamente a ideia de objetividade. Ao buscar um olhar objetivo sobre os fatos e situações, o personagem David Locke (Jack Nicholson) parece se isolar de seu objeto, adotando uma postura de neutralidade que seria análoga à do cientista. A impossibilidade de engajamento resulta na angústia de Locke diante da realidade cotidiana - elemento comum nos personagens de Antonioni -,  não conseguindo se conectar com os outros e com o mundo. Deste modo, sua jornada se torna uma fuga de sua própria identidade, posteriormente convertendo-se na fuga decorrente das consequências da outra identidade que ele assume. Em meio às imagens de Antonioni, que descrevem sua jornada - uma fuga para encontrar a si mesmo -, o próprio olhar objetivo será colocado em crise.

Para comentar esta crise, Paulo salientou que o filme todo trata de uma questão em torno da natureza daquilo que se olha. Nós sempre olhamos o real através de uma lente, de maneira mediada. Eis o dilema da cobertura jornalística com a qual se ocupa o personagem: na pretensão de ser objetivo, os seus próprios objetos escapam, quando se anula a possibilidade de engajamento com aquilo que se olha. Antonioni estaria fazendo apelo a uma verdade ética, que não admite o isolamento da verdade para fora desta relação que se estabelece com o olhar e o desejo de quem olha. A objetividade só existiria, de fato, nesta relação.

Paulo comentou aproximações mitológicas com as figuras de Eros e Ícaro, apontando também vias de leitura do filme a partir de elementos do pensamento de Freud, Nietzsche e Marx, dada a ênfase que o filme atribui à questão do desejo, à crise dos valores e à alienação do personagem. Ao analisar o impressionante plano-sequência do final do filme, Paulo ainda nos mostrou de que modo Antonioni encena, com o olhar da câmera, o jogo entre subjetividade e objetividade para, enfim, mostrar sua inseparabilidade, a impossibilidade de um olhar objetivo existir sem a mediação do olhar subjetivo.

Na certeza do ensinamento de Antonioni, reafirmamos objetivamente a alegria que tivemos em recebê-los ao longo da temporada 2011. Nossa próxima sessão acontecerá no dia 3 de março de 2012, quando exibiremos o filme Entre os muros da escola (Entre les murs - França, 2008), de Laurent Cantet. Teremos a honra de receber como convidado do mês, para abrir a temporada 2012, Walter Kohan, doutor em Filosofia pela Univ. Iberoamericana, México, professor da Faculdade de Educação da UERJ, com a palestra Aprender e ensinar: exercícios de estrangeiridade. Até lá, sigam acompanhando o blog para mais notícias, informações e dicas. Que venha 2012.




sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

O que não podem os olhos


"Não sei ver meus filmes com olhos críticos. Não sei expressar-me por palavras. E nem creio que seja imprescindível entender um filme. O mais importante é vê-lo, como uma experiência sensível”, Antonioni.

Venha assistir a Profissão: repórter e participar do debate "A relação sujeito-objeto”, com o doutor em filosofia Paulo Domenech Oneto. Esperamos por você!

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Cinema (d)e Horror, agora em livro


Uma novidade para contribuir com as relações entre cinema e pensamento: será lançado hoje, em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, o livro Cinema (d)e Horror: ensaios críticos, como resultado das atividades do cineclube Cinema (d)e Horror, o projeto de extensão da UFMS que promove, há quatro anos, exibição de filmes com debates, procurando compreender a categoria "horror" nas artes e no mundo contemporâneo.

Ao pensar e desdobrar questões a partir dos filmes, a publicação encarna a proposta do cineclube, contando com artigos de estudiosos de diversas universidades brasileiras, cujo enfoque interdisciplinar potencializa a abordagem e a compreensão de temas associados ao horror e seus efeitos. O livro foi organizado pelas coordenadoras do cineclube, Carolina Barbosa Lima e Santos, e Rosana Zanelatto, com o patrocínio do Fundo de Investimentos Culturais (FIC) de Mato Grosso do Sul.

Celebremos e divulguemos esta importante publicação, desdobrada de uma experiência cineclubista universitária.



segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Centro e periferia: a pichação e a cidade, em filme e debate

Nesta quinta-feira, dia 1º de dezembro - dois dias antes da última sessão do Ciência em Foco de 2011 - teremos uma sessão de filme com debate na Casa da Ciência da UFRJ, realizada em conjunto com a LCP Produção. A partir das 17h, terá início a exibição do documentário independente Luz, câmera, pichação (2011), uma produção recente que trata da pouco compreendida cultura de rua da pichação no Rio de Janeiro.

Aproximando-se do universo dos pichadores, acompanhando as narrativas e desafios destes anônimos da juventude urbana, o filme busca enriquecer a compreensão sobre o fenômeno da pichação, afastando-se do reducionismo das visões externas para lançar uma reflexão sobre a própria sociedade.

Após o filme, haverá debate com os realizadores Gustavo Coelho, Marcelo Guerra e Bruno Caetano. O filme foi exibido recentemente na Mostra Internacional do Filme Etnográfico, e também premiado pelo Centro Nacional de Folcore e Cultura Popular. Programe-se! Nesta quinta-feira, dia 1º de dezembro, às 17h. A entrada é franca.

Exibição e Debate: Luz, Câmera, Pichação!



sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Mistérios da objetividade


"Ao mesmo tempo em que subjetivamente se 'erra' (se vaga) pelos espaços em busca de algo, também se erra objetivamente, ou seja, os 'objetos' do pensamento nos escapam" .

Paulo Domenech Oneto - Doutor em Filosofia pela Universidade de Nice, França e Literatura Comparada pela Universidade da Georgia, EUA. Professor da ECO/UFRJ e palestrante do Ciência em Foco de 3 de dezembro.


1) Como começou a sua relação com o cinema?

Embora minha formação original seja em Economia (como Antonioni, aliás) - e somente depois eu tenha ido parar na filosofia, na literatura e na comunicação -, me tornei cinéfilo ainda muito jovem. Em meus tempos de faculdade, costumava inclusive matar as aulas chatas para ir ao cinema. Até uns 13-14 anos, via mais cinema narrativo ou de ação (escola norte-americana), mas logo fui experimentando outras coisas que exigiam mais reflexão e menos resposta rápida. Lembro em particular do relançamento de Encouraçado Potemkim, do Eisenstein, nos anos pós-abertura política (1980-81). Fiquei entusiasmado e tentei ver no então teatro Delfim uma mostra do cineasta, que acabou censurada. Foi nessa época que descobri o neo-realismo italiano, Antonioni (um belíssimo filme intitulado O Mistério de Oberwald em estreia), nouvelle vague, cinema novo etc.

2) Diversos filmes de Antonioni são notáveis por suas formas de provocação à objetividade, desconfiando dos nexos lógicos entre nosso pensamento, nossa observação e o mundo. Fotógrafos e repórteres - alguns dos personagens de seus filmes - são profissionais que evocam um certo olhar objetivo, exigido também pela ciência. De que modo a filosofia lida com este olhar, e como podemos pensar esta desconfiança?

Veja só: o Antonioni foi o 'meu primeiro cineasta favorito' (há sempre muitos favoritos) justamente por conta dessa questão. Me impressionavam muito os espaços abertos dos filmes do Antonioni, sempre contrastando com o enclausuramento psicológico dos personagens, que parecem procurar uma saída 'errando' naqueles ambientes. Ao meu ver, esta errância vai de par com a questão da objetividade que você levanta. E isto abre uma forte possibilidade de diálogo entre o cinema do Antonioni e a filosofia. Como assim? Ora, ao mesmo tempo em que subjetivamente se 'erra' (se vaga) pelos espaços em busca de algo, também se erra objetivamente, ou seja, os 'objetos' do pensamento nos escapam. Monta-se, então, uma crítica da objetividade como algo dado. É como se esta só pudesse se construir subjetivamente, movida pelo desejo de quem olha, examina, perscruta. Daí, por exemplo, o célebre final de Blow Up, que me marcou profundamente. O fotógrafo blasé da swinging London dos anos 1960 passa a 'ver' o jogo de tênis imaginário da trupe quando para de errar (no sentido de vagar). Ou então continua a errar, mas de outro modo...

3) Visto que nossa sociedade é cada vez mais marcada pela visualidade e pelo consumo de imagens, confundindo espectadores e produtores, como situar uma dimensão ética do olhar, ativada pelo personagem repórter de Jack Nicholson, em Profissão: repórter, que poderia ser estendida à nossa vida e à forma como nos relacionamos com o mundo?

Suas perguntas são bem difíceis, mas por isso mesmo interessantes. De fato, acho que um dos modos pelos quais podemos encarar nossa sociedade é como 'sociedade do espetáculo', à maneira de Guy Debord. As imagens parecem mediar todas as relações. E aqui mais uma vez vejo a importância decisiva do cinema de Antonioni. Pois há nele, certamente, uma ética do olhar. Tomo o exemplo do personagem Locke (Nicholson) que você menciona, mas também no caso do fotógrafo de Blow Up. Trata-se de sugerir um outro tipo de olhar que permita não aderir cegamente às imagens e aos valores a elas atrelados. É um questionamento fundamental do cinema de Antonioni, que foi muito bem visto novamente pelo filósofo Deleuze: como se desprender dos valores que nos impedem de viver, de crer na vida? A reinvenção de si passa por aí e é isto que parece impossível no caso dos dois personagens, presos em imagens, esvaziados de desejo.

4) O filósofo Michel Foucault fez uma associação provocativa entre a figura do filósofo e a do jornalista. A filosofia teria se ocupado, por muito tempo, de questões relacionadas ao eterno, ignorando o hoje, o presente. No lugar do eterno, defendendo a atenção aos problemas da atualidade, a ocupação do filósofo estaria antes voltada a uma espécie de jornalismo radical. Como você percebe a tensão entre os objetivos do jornalismo e o olhar filosófico sobre o cotidiano e o presente, aproveitando a alusão ao jornalismo no filme de Antonioni?


Mais uma pergunta de prova... (rss). Pra te responder seria necessário estabelecer uma outra distinção, não apenas entre o 'eterno' e o presente, mas entre dois modos de encarar o que chamamos 'presente'. Se Foucault fala em 'jornalismo radical', talvez seja justamente porque o presente tratado jornalisticamente acabe muitas vezes no nível dos fatos como autoevidentes, raramente questionando seu próprio modo veloz e sensacional de abordagem ou a pretensa relevância das atualidades selecionadas. Para Foucault o essencial parece ser o presente como aquilo que estamos sempre deixando de ser. Existe certamente uma linhagem em filosofia que não vê o 'eterno' como o que não tem começo ou fim, mas sim como outras possibilidades não vislumbradas em tudo o que vemos como fato consumado. Forçando uma aproximação com o filme de Antonioni, é como a cena do carro em que a personagem olha para trás e vê o que está ficando pra trás.

5) Como conhecer mais de suas produções?

Meu email pra contato é pgdomenechoneto@gmail.com

Minha ideia é começar a publicar aos poucos [coisas de cinema] no meu site da Escola de Comunicação da UFRJ, que está em construção (http://www.filosofia.paulooneto.eco.ufrj.br/). Já é possível dar uma olhada em textos que apareceram em revistas. É só ir na coluna 'publicações'.

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Um passado presente

"Mulheres são alvo de dominação, subjugadas por uma teocracia cristã fundamentalista". Poderia ser tema de ficção, como em O conto de Aia, mas é notícia em alguns jornais no dia de hoje, 24 de novembro de 2011. Aproveite a deixa para ouvir ao podcast da palestra sobre a literatura utópica/distópica de autoria feminina e questões de gênero, ciência e saúde enfatizadas pela ficção científica, com a participação da professora de literatura Lucia de La Rocque. O encontro aconteceu em julho desse ano.


Clique abaixo para ouvir a palestra Distopia onde a voz feminina não tem vez (49min.). Ou baixe aqui o arquivo zipado (45MB).




terça-feira, 22 de novembro de 2011

Dez anos de Araribóia Cine

Começa hoje a décima edição do festival Araribóia Cine, em Niterói. Para comemorar os dez anos, o tradicional festival da terra de Araribóia gira em torno do tema Raízes, com uma seleta programação que abordará questões relativas ao nosso legado cultural, cuja diversidade se projeta através dos igualmente diversos filmes e discussões, em mostras espalhadas pela cidade.

A sessão de abertura acontece na noite desta terça-feira, dia 22/11, às 20h30, com a pré-estreia do longa-metragem Sudoeste, de Eduardo Nunes. Além das mostras competitivas e das sessões programadas, acompanhadas de debates com os realizadores e pesquisadores, espetáculos musicais e de dança agitam o festival. Na quinta-feira, 24/11, haverá uma sessão vinculada ao Cineclube Sala Escura, com a exibição do longa Mr. Niteroi - A lírica bereta, seguida de debate com o diretor Ton Gadioli, o rapper Black Alien e a professora Adriana Facina, do Departamento de História da UFF.

No sábado, uma sessão de curtas será acompanhada de debate com os realizadores e o filósofo Charles Feitosa, nosso convidado do Ciência em Foco de março do ano passado. Encerrando o evento, haverá uma homenagem ao pesquisador Hernani Heffner, nosso convidado do Ciência em Foco de dezembro de 2009, que também escreveu o prefácio do nosso livro. A homenagem será complementada com um espetáculo musical.

Como podem notar, muita coisa interessante vai agitar o outro lado da ponte. Uma grande oportunidade para se assistir a uma produção diversificada, reverberando importantes temas que nos fazem pensar. Veja a programação completa no site do festival e programe-se. Acompanhe também o twitter @arariboia_cine. O X Festival Araribóia Cine acontece até domingo, 27/11. A entrada é franca.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

O ponto cego da razão


“Não olhamos o sol como no passado. Sabemos tudo a respeito dele. As noções científicas modificaram nossas relações com o sol – e falo do sol como poderia falar da lua, das estrelas, do universo inteiro”. A frase de Antonioni é uma pista para a compreensão de Profissão: repórter, a ser exibido no Ciência em Foco de 3 de dezembro. Na trama, um repórter americano é enviado à África para cobrir um acontecimento político, e acaba aproveitando a morte do vizinho de quarto para assumir outra identidade. Ao ser um mero observador de acontecimentos que se produzem sem sua participação, o repórter seria uma espécie de metáfora de nossa sociedade: coloca em evidência uma forma de relação com o mundo, racionalista, cientificista, sustentada por uma ideia de distanciamento. É nesse sentido que a palestra “A relação sujeito-objeto” será desenvolvida pelo doutor em filosofia Paulo Oneto, após o filme. Participe!


quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Outros olhares aos olhares do outro


Começa nesta quinta-feira, dia 16/11, a 15ª edição da Mostra Internacional do Filme Etnográfico, a tradicional mostra anual dedicada aos filmes voltados aos registros da antropologia visual, que permitem uma abertura do olhar à diversidade das culturas e às formas de se compreender a vida em sociedade.

Documentários nacionais e estrangeiros fazem parte da programação, que também conta com um Fórum de Antropologia e Cinema, com debates em torno de questões que movimentam a relação entre ambos os domínios e também os limites e tensões entre arte e ciência. Além do fórum, haverá o projeto educativo de oficinas Etnocine, sessões ao ar livre e também conversas com realizadores e antropólogos após sessões específicas.

As sessões acontecem no cinema e na sala de vídeo do Museu da República. Todas as atividades da mostra são gratuitas, com distribuição de senhas no local. O endereço é rua do Catete, 153, no Catete. O programa e o catálogo da mostra podem ser visualizados no blog oficial do evento, que também exibirá a sessão de abertura ao vivo.

E por falar nela, anote: a abertura acontece hoje à noite, dia 15/11, no Arte Sesc Flamengo (Rua Marquês de Abrantes, 99), às 19h, com exibição do filme O manuscrito perdido, de José Barahona, que percorre o caminho feito pelo poeta e aventureiro Fradique Mendes, ao sul de Salvador, em busca do manuscrito que ele teria deixado em sua fuga dos escravagistas brasileiros, no século XIX. No caminho, registram os contrastes atuais da sociedade brasileira e as questões que dialogam com a realidade de outrora.

A mostra vai até o dia 24 de novembro. Aproveite!

sábado, 12 de novembro de 2011

Retrospectiva Lars von Trier no Rio

Além de Michael Haneke, outro diretor polêmico que ganha uma retrospectiva completa no Rio de Janeiro é o dinamarquês Lars Von Trier, atualmente em cartaz na cidade com seu mais recente filme, Melancholia (2011). Começou no dia 10 e vai até o dia 25 de novembro, no Instituto Moreira Salles, a Retrospectiva Lars von Trier: o gênio do escândalo, cuja programação conta com a íntegra de sua obra, além de documentários sobre seus filmes.

Recentemente expulso do Festival de Cannes, no qual passou a ser considerado persona non grata devido a suas declarações, Lars von Trier possui uma obra multifacetada, que desafia o espectador com sua expressividade, ousadia e ironia, marcas que se destacam em meio a modos singulares de abordar questões morais e existenciais.

Serão exibidas verdadeiras raridades, como o angustiante Epidemic (1987), um de seus primeiros longas, e a série de tv Riget (1994), criada e co-dirigida por Trier. Conhecido por ter sido o criador e signatário, junto com Thomas Vinterberg, do manifesto Dogma 95 - que pregava controversas regras para realização de filmes, impondo restrições quanto a determinadas técnicas, a obrigatoriedade da câmera na mão, das filmagens em locações e de iluminação natural, por exemplo -, seu único filme associado ao movimento pode ser visto na mostra, o polêmico Os idiotas (Idioterne, 1998).

Veja a programação completa no site da mostra, assim como maiores informações sobre acesso e preço dos ingressos. O Instituto Moreira Salles do Rio de Janeiro (IMS-RJ) fica na Av. Marquês de São Vicente, 476, na Gávea.

Um lembrete: além do recente filme de Lars von Trier, está em cartaz no circuito carioca o último filme de Thomas Vinterberg, Submarino (2010). Uma boa oportunidade para se atualizar com as realizações mais recentes dos dois fundadores do Dogma 95, e também perceber de que modo cada um se afastou do movimento.

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Os incômodos jogos de Michael Haneke




Você já deve ter visto ou ouvido falar do premiado filme A fita branca (Das weiße Band, 2009), vencedor de três prêmios no Festival de Cannes de 2009, incluindo a Palma de Ouro, e também indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro no ano passado. Tem curiosidade em conhecer outros filmes do diretor? Está aí a oportunidade perfeita. Começou esta semana na Caixa Cultural do Rio de Janeiro a mostra A imagem e o incômodo - o cinema de Michael Haneke, que segue até o dia 20 de novembro. O polêmico diretor austríaco contará com uma revisão completa de sua obra, incluindo filmes inéditos no país, como os seus primeiros filmes que compõem sua "Trilogia da frieza".

Ao longo de sua provocativa obra, Haneke não apenas nos coloca diante de imagens e situações incômodas que incitam o pensamento em torno de questões urgentes do mundo contemporâneo, mas também situa como problemático, neste mesmo movimento, o próprio lugar e o papel do espectador, passivo diante do horror e da crueldade que lhe são mostrados.

A mostra conta ainda com um curso gratuito, O cinema da amargura: Haneke e a visão do intolerável, ministrado por Tadeu Capistrano, curador da mostra e professor de teoria da imagem da EBA/UFRJ. Para os que acompanham o Ciência em Foco, Tadeu abriu nossas atividades deste ano, em fevereiro. Além dos filmes e do curso, haverá um ciclo de debates no qual pesquisadores e críticos exploram e aprofundam diversos aspectos da obra do cineasta, intitulado Ódio, injustiça e exceção: em torno de Michael Haneke. Nesta sexta-feira, às 20h, quem participa do ciclo é o convidado do Ciência em Foco do último sábado, Erick Felinto, e também o professor Adalberto Müller, que abordarão A vida absurda e a morte em vídeo.

Maiores detalhes sobre a mostra podem ser encontrados no site do evento, que conta também com diversos ensaios dos participantes do ciclo de debates. A Caixa Cultural fica na Av. Almirante Barroso, 25, no Centro.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Donnie Darko e o vínculo do cinema com a fantasmagoria

No último sábado, na sessão de novembro do Ciência em Foco, foi exibido o cultuado filme Donnie Darko (2001), de Richard Kelly. Quem esteve presente para conversar com o público após a exibição foi o professor Erick Felinto, do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da UERJ e diretor científico da ABCIBER (Associação Brasileira de Pesquisadores em Cibercultura). A associação do filme ao gênero fantástico, com seus elementos de ficção-científica e horror, ao mesmo tempo em que se apresenta como híbrido de outros diversos gêneros cinematográficos, serviu de ponto de partida para Erick analisar o cinema de gênero,  abrindo um bate-papo cinéfilo e descontraído com um olhar sobre diversos momentos da história do cinema.

Para o professor, Donnie Darko pode ser considerado de início um filme estranho, que aparenta ser um filme hollywoodiano enquanto, na verdade, parece deslocar a cada momento as convenções e nossas expectativas, gerando estranheza e perplexidade. As tentativas de se entender a narrativa tornam-se secundárias diante da experiência que o filme oferece em termos de sensações associadas ao universo do fantástico, que nos fazem pensar. Este universo do estranho, explorado pelo cinema de gênero, é geralmente desqualificado pela crítica quando o opõe à sofisticação e à alta cultura de um cinema de arte, por exemplo. O fato do filme também ter se tornado um cult movie, adorado pelos cinéfilos, é uma prova de sua indefinição, de seu lugar híbrido em meio ao ambiente cultural acostumado com as definições.

Apresentando tramas paralelas e enfatizando paradoxos, Donnie Darko é um filme que rejeita a noção de interpretação. O que gera, portanto, seu fascínio? De acordo com Erick, apoiado no teórico Hans Ulrich Gumbrecht, o interessante do filme seria a criação de determinados "climas", as chamadas ambiências, diante das quais o que importa é a evocação de situações que provocam diversas sensações. Este cinema de ambiências, responsável pela criação de memórias que marcam o espectador, dialoga com questões que animavam também artistas das vanguardas do início do século XX, como o surrealismo, aliadas à contemporânea estética do videoclipe. No entanto, o que de fato torna o filme tão fascinante é sua forma de se relacionar com a noção de fantasmagoria, a partir da enigmática figura do coelho.

De acordo com Erick, um fantasma não é nada mais que uma imagem, e este elemento ilusório, perturbador, é capaz de estabelecer um vínculo com aquilo que se encontra na gênese do próprio cinema. Toda a história do cinema, desde sua origem, é marcada pela relação com a fantasmagoria, uma vez que se trata de uma arte de produzir imagens, ilusões, fantasmas. Não é à toa que uma tecnologia precursora do cinema foi a "fantasmagoria", utilizada em espetáculos que projetavam sombras e efeitos ilusórios. Em seus primórdios, o cinema investiu na produção de fantasmas, efeitos, ilusões, como nos filmes de Georges Méliès e também com os filmes de horror do expressionismo alemão. Todos estes momentos marcam a relação histórica do cinema com aquilo que lhe é próprio, a dimensão da fantasmagoria e do imaginário, da qual a história mais tradicional do cinema tentou se afastar. Donnie Darko se apresenta como uma parábola da experiẽncia cinematográfica nesta dimensão fantasmagórica, resgatando aquilo que nos toca em níveis mais fundamentais da experiência.

Em nossa próxima sessão - a última de 2011 -, exibiremos o filme Profissão: repórter (The passenger - 1975), de Michelangelo Antonioni. Teremos a honra de receber, como nosso convidado do mês, o professor da Escola de Comunicação da UFRJ (ECO/UFRJ) Paulo Domenech Oneto, doutor em Filosofia pela Univ. de Nice, França, e em Literatura Comparada pela Univ. da Georgia, E.U.A., com a palestra A relação sujeito-objeto. Anotem na agenda, divulguem e sigam acompanhando o blog para maiores detalhes. Até lá!

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Conversando com Erick Felinto





"Temos que recuperar a capacidade de nos espantar com as coisas", Erick Felinto - Doutor em Letras pela UFRJ, professor do PPGCOM da UERJ, membro fundador e diretor científico da ABCIBER e palestrante do Ciência em Foco de 5 de novembro.

1) Conte-nos um pouco da história de sua relação com as imagens e o cinema.



Sempre tive uma relação muito intensa com o cinema, tanto na perspectiva teórica de pesquisador como enquanto apreciador. Fui membro do conselho científico da Socine durante dois mandatos e, no momento, desenvolvo uma pesquisa sobre a teoria do cinema em Vilém Flusser. Publiquei dois livros sobre cinema - A Imagem Espectral: Comunicação, Cinema e Fantasmagoria Tecnológica (Ateliê: 2008) e Avatar: O Futuro do Cinema e a Ecologia das Imagens Digitais (Sulina: 2010), com Ivana Bentes. Tenho um interesse especial por cinema de fantasia e de horror, trabalhando a questão dos gêneros cinematográficos, mas também me tocam as questões da teoria do cinema e do cinema digital. O último capítulo do livro História Mundial do Cinema (Papirus: 2006), organizado por Fernando Mascarello, foi escrito por mim e trata do cinema digital.

2) Em diversos momentos de Donnie Darko, os elementos da narrativa nos provocam um fascinante estranhamento. De que maneiras o estranho pode nos fazer pensar?

O estranho produz certo distanciamento do mundo cotidiano, da dimensão do já conhecido, para nos lançar num horizonte de novidade e potências inexploradas. A teoria literária russa descreveu isso como o efeito de 'ostranenie' (estranhamento). Quando lemos em Kafka: "Certa manhã, Gergor Sansa acordou e viu que tinha se transformado em um enorme inseto", todo nosso sistema racional de certezas e expectativas sobre o mundo se desmorona. Interessa-me muito como a noção de 'ambiência' (Stimmung), de Hans Ulrich Gumbrecht, pode ser aplicada a filmes como Donnie Darko, classificados normalmente como 'de fantasia'. Nessa espécie de filme, tão ou mais importante quanto a narrativa é a criação de determinadas 'ambiências' ou 'climas', que nos transportam para diferentes épocas ou mundos. Donnie Darko é um filme excepcional nesse sentido.




3) Outrora marginalizado, ou restrito a certos nichos, nos anos recentes temos visto o surgimento e o crescimento de festivais de cinema fantástico, que englobam em geral gêneros como a ficção científica, a fantasia e o horror. O Festival do Rio deste ano também dedicou boa parte de sua programação aos filmes destes gêneros. Em sua visão, estaria havendo um crescimento do interesse em produções deste tipo? Como você analisaria, em linhas gerais, suas prováveis potencialidades?

Sem dúvida o gênero tem se popularizado rapidamente, como prova o sucesso de festivais como o Fanrio ou o Fantaspoa. Creio que esse êxito expressa um anseio social pela vivência de outras realidades que não as já conhecidas e exaustivamente exploradas pelos gêneros tradicionais. Os meios de comunicação tomaram o lugar que antes a literatura ocupava no sistema das funções sociais até o século XIX, pelo menos. Eles encolheram o espaço da imaginação ao oferecer fórmulas muito prontas. Mas certo cinema de fantasia permite, acredito, recuperar algo da experiência de maravilhamento com o mundo do qual a ciência moderna nos privou. Temos que recuperar a capacidade de nos espantar com as coisas.

4) A fantasmagoria, enquanto um truque tecnológico envolvendo projeção de imagens a partir de uma fonte luminosa, sempre esteve associada ao imaginário dos primórdios do que veio a ser o cinema. Sem entregar muito da sua fala, e tendo em vista o título que escolheu para ela, poderia apontar algumas questões atuais envolvendo a fantasmagoria, trabalhadas em suas pesquisas na área de comunicação?

A fantasmagoria era a arte de produzir sombras e efeitos fantasmagóricos com aparatos como a lanterna mágica. Essa dimensão do mágico, do efeito visual sobrenatural, é de extrema importância na história do cinema. Eu diria que a 'imagem' do fantasma tem um papel importante para a compreensão fenomenológica da experiência cinematográfica. Mas realmente prefiro guardar maiores detalhes para a palestra.



5) Comente sobre as tensões de se pensar os gêneros como fronteiras em meio a um contexto mundial em que elas parecem ruir por todos os lados.

O conceito de gênero como forma pura sempre foi problemático, mas hoje, mais que nunca, ele se encontra erodido pelas práticas de hibridação da cultura contemporânea. Isso não significa que tenhamos que abrir mão dele, mas precisamos repensar suas definições. Aprecio muito, por exemplo, a ideia de 'gêneros do corpo' (body genre), para definir o horror e a pornografia. Mas temos de ter em mente que uma das características dos gêneros típicos da cultura midiática é precisamente sua indefinição de fronteiras. Se Hollywood ainda opera com padrões normativos que tentam, a todo custo, definir as fronteiras de um gênero (e o público ao qual ele é dirigido), as experiências fílmicas menos tradicionais (como Donnie Darko) põem em questão essa suposta estabilidade das formas.

Conheça um pouco mais dos trabalhos e discussões de Erick Felinto acessando o seu blog de pesquisa: http://poshumano.wordpress.com/

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Podcast de Os doze macacos

Que tal relembrar, repensar e rediscutir as ideias que circularam na conversa sobre Os doze macacos, com o pesquisador da Fiocruz e professor de bioética da UNIRIO, Paulo Vasconcellos-Silva? Já está disponível o podcast do encontro, de junho de 2011, que girou em torno do medo contemporâneo relacionado aos riscos biológicos e às epidemias. Aproveite!

Clique abaixo para ouvir a palestra Como trafegar no tempo sem perder os dentes (59min.). Ou baixe aqui o arquivo zipado (55MB).




segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Debatendo o cinema nacional



Buscando possibilitar um encontro inusitado de olhares num debate sobre a produção contemporânea brasileira, a III Semana de Realizadores exibe filmes (no Unibanco Arteplex, de 20 a 27 de outubro), seguidos de conversas com os realizadores. Além disso, promove, a partir desse semana, o Ciclo de Debates no Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ. E mais! Se você não conseguiu assistir aos filmes ou quer revê-los, nos dias 5 e 6 de novembro, alguns serão reprisados no Instituto Moreira Salles. Saiba mais sobre o evento aqui!


sexta-feira, 14 de outubro de 2011

As fronteiras dos gêneros



Margens para conter. Margens para romper. ‘Cult movie’ entre os apreciadores do cinema de horror e de ficção científica, Donnie Darko (EUA, 2001), atração do Ciência em Foco de 5 de novembro, provoca uma reflexão sobre as potências dos gêneros fílmicos. Explorando o fantasmagórico e, ao mesmo tempo, lançando mão do hibridismo narrativo, de recursos transmidiáticos e de uma estética da citação, Donnie Darko desperta nos espectadores muitas e inusitadas experiências de afeto: do terror ao humor. A começar pelo personagem principal, que tem alucinações com um monstruoso coelho, capaz de profetizar o fim do mundo. Quem conduz o debate do dia é o doutor em letras e diretor científico da Associação Brasileira de Pesquisadores em Cibercultura (ABCIBER), Erick Felinto. Venham todos!

Podcast do Ciência em Foco de maio

Para quem não assistiu à discussão em torno do filme Cidade dos sonhos (David Lynch), com o professor da Escola de Comunicação da UFRJ Henrique Antoun, no Ciência em Foco de maio, que tal ouvir agora ao podcast?! Na conversa, reflexões sobre como o filme parece ser profundamente afetado por aquilo que se passa nele, pela história narrada, que é algo vivo. Boa diversão!

Clique abaixo para ouvir a palestra A carne da rede: multidão e mídia livre (72min.). Ou baixe aqui o arquivo zipado (68MB).




quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Com a palavra, nosso palestrante de outubro: Ivan Marques



"Infelizmente, em especial para brasileiros, a parte imensa da divulgação científica reforça a universalidade, a neutralidade e a objetividade das ciências e das tecnologias, isto é, reforçam o poder político dos conhecimentos científicos-tecnológicos, apresentando-os como entes configurados em um processo desinteressado de acumulação de saber através da descoberta de entes ou entidades (os astros, as moléculas, os átomos, as partículas, os vírus, as bactérias, as células, os órgãos) previamente existentes em uma Natureza, que forma um polo separado da Sociedade", Ivan da Costa Marques – Professor do NCE e do HCTE, da UFRJ. Fundador do grupo de pesquisa NECSO, atual vice-presidente SBHC e palestrante do Ciência em Foco de outubro.


1) Conte-nos um pouco da história de sua relação com as imagens e o cinema.

Posso dizer, prosaicamente, que “sempre gostei de cinema”, mas nunca me aproximei do cinema a partir de qualquer ângulo profissional. Vou ao cinema como uma vivência dentre outras coisas, tal como correr, embora corra com mais regularidade, todo dia, do que vá ao cinema ou assista a filmes em casa. Mas recentemente, em decorrência das mudanças na facilidade de acesso e manipulação (edição), o cinema começa a se tornar uma fonte de material didático riquíssima e de muito fácil uso – não que não fosse muito rica antes, mas as dificuldades de utilização eram muito maiores. Talvez seja uma dessas situações em que uma mudança quantitativa resulte em mudança qualitativa. Hoje vejo um filme também com o olhar voltado para como utilizá-lo imediatamente em aula. Embora nos estudos de ciência a imagem não dispense a palavra (a legenda), talvez, como alguém diz (ao defender a colocação de rótulos com caveiras na embalagem dos cigarros em Obrigado por fumar), as pessoas se comportem, pelo menos em certas ocasiões, mais em decorrência de imagens do que só de palavras.


2) No filme Obrigado por fumar, percebemos conflitos entre representantes de empresas e políticos, que manejam argumentos em torno da comercialização de cigarros. Neste cenário, o discurso científico apareceria como o fiel da balança, mas acaba se mostrando como uma estratégia de convencimento. Como situar a citação do filme, que constitui o título de sua fala - "Alegar que cigarros não viciam requer provas" - neste contexto?

Se há algum tempo talvez fosse necessário provar que ‘cigarros viciam’, hoje isso não é mais necessário – ‘cigarros viciam’ é um fato simplesmente admitido por todos. Não há controvérsias a esse respeito, como o próprio Nick Naylor admite em depoimento. A citação aparece para destacar a dificuldade do lobista (aquele cuja profissão lida crucialmente com a retórica, com a arte de convencer os outros, como o filme mostra magistralmente) diante dessa situação de que a prova do oposto está tão robustamente estabelecida que é como se renovasse a si própria: cigarros viciam, todos reconhecem. Portanto, agora, se alguém quiser dizer que ‘cigarros não viciam’, esse alguém terá que provar. Mas na prática, a ‘prova’ está equiparada a uma retórica de convencimento, ou de angariar aliados, que não trabalha colada a uma lógica restrita e específica que a ciência diz que exige sempre, embora não seja bem assim. No filme, em vez de tentar ‘provar’ que cigarros não viciam, a Companhia do Tabaco faz circular uma outra proposição que poderá ter junto a quase todos praticamente o mesmo efeito: ela procura mostrar que não está ‘provado’ que ‘cigarros viciam’. Para isso contrata Erhardt Von Grupten Mundt, apresentado como uma caricatura de cientista alemão, que “estudou as ligações entre nicotina e câncer por 30 anos e não chegou a resultados conclusivos”, “um cara que desaprovaria a gravidade.” Assim, na prática da retórica de convencimento, ‘provar que cigarros não viciam’ é tornado equivalente a mostrar que ‘não está provado que cigarros viciam’. E isso, como o filme não perde a oportunidade de destacar, pode ser conseguido pela montagem de um ‘contralaborató¬rio’, mostrado logo no início. Neste ponto, o filme nos remete diretamente a um resultado recente do campo dos estudos sociais das ciências e das tecnologias (Estudos CTS), que mostram que, havendo recursos, sempre será possível criar controvérsias para ‘abrir’ e negar uma prova ou um fato científico.



3) Os argumentos científicos, atrelados à suposta pureza de suas verdades, adquiriram um protagonismo nos discursos do mundo atual, sobretudo no contexto midiático. De que modo esta cientificização da sociedade veio a se configurar, e quais suas características mais marcantes?

Marcar o início de uma configuração é sempre um problema que só pode ser resolvido com uma escolha. Feita essa ressalva, diria que no mundo de hoje os argumentos científicos ganharam espaço e legitimidade; em suma, o poder de uma autoridade dita ‘universal’, ‘neutra’ e mesmo ‘objetiva’ em contraposição a outros argumentos que são com desvantagem classificados como ‘locais’, ‘interessados’ e ‘subjetivos’ a partir da construção do mundo moderno nos últimos séculos. Desde Galileu, Newton, Kepler e quando morre Descartes, em 1560, a base moderna para interpretar a natureza e a sociedade de maneira dita universal, neutra e objetiva, está praticamente pronta e suas característi¬cas mais marcantes, definidas – a matematização e a mecânica.

4) Que estratégias possíveis você apontaria para desmontar esse discurso e não se deixar capturar e seduzir inteiramente por ele?





Desmontar o espaço e o tempo da legitimidade do conhecimento científico, sem rejeitá-la in totum, envolve uma reforma ou transformação nas bases de um edifício de séculos, embora ela esteja em curso. Não se trata de ‘ser contra’ as ciências e as tecnologias, mas sim de refazer as bases epistemológicas e criar uma nova ontologia para os entes científico-tecnológicos (fatos, leis, artefatos) que, uma vez desmontados e reconstruídos por uma nova ‘tradução’, passam a ser mais propriamente ‘sociotécnicos’, isto é, passam a integrar o mundo humano, histórico e não mais usufruir da pretensão de fazerem parte da Natureza como um mundo ou lugar de entes que estão fora da história, isto é, que estão e sempre estiveram lá para serem ‘descobertos’. Vale observar que essa nova tradução talvez seja uma tarefa ainda mais urgente para nós brasileiros porque estamos na periferia, vivemos no rest e não no West. Uma vez que o conhecimento científico não é universal nem tampouco neutro e sua objetividade é situada, e se evidentemente ele justifica distribuições em nome da verdade das ciências e das técnicas (“isso é uma decisão técnica” – aposto que se você abrir o jornal hoje lerá esta frase), então ele é propriamente político, e certamente pode-se discutir a justiça da partilha que ele justifica no que toca ao povo brasileiro (diferenças de empregos, salários e preços de bens e serviços entre o rest e o West).

5) De alguns anos para cá, diversos espaços têm firmado interdições cada vez mais rigorosas ao fumo e aos fumantes. Até que ponto estas convenções podem ser pensadas como ‘saudáveis’, e como podemos pensar sobre esta tendência? Haveria também outros espaços, sobre os quais têm se projetado outras formas de controle, na sociedade contemporânea?

Creio que, ao final, as explicações dessas interdições não se inclinarão preponderantemente para a saúde, embora ela seja uma parte importante nas batalhas que decidem o que vai ser sancionado e o que vai ser interditado e com que intensidade. O filme, no registro da comédia, aponta esse grau de arbitrariedade na escolha da ‘bola da vez’ da interdição, ao chamar atenção para a relação entre o queijo Cheddar e o colesterol. As formas de controle apresentam um mar agitado com infinitas correntes sobre o qual muito se diz e escreve em meio a inúmeras marés que se superpõem, de modo geral com os que têm mais recursos tentando impor aos outros as maneiras de viver. Voltando ao filme, ao final, Nick Naylor afirma seu compromisso ético (e moral) com o livre arbítrio, uma simplificação que me parece pertinente justapor a essa pergunta.

6) Quando se fala em ciência, é comum notarmos associações diretas com um campo de saber separado da cultura, alheio a elementos sociais e políticos e em geral restrito ao domínio das ciências exatas e naturais. Tendo em vista as indagações éticas propostas com o filme e sua fala, de que forma as atividades de divulgação científica poderiam se potencializar, evitando esta polaridade?





O que se vê quase sempre, e que se pode lamentar, são as atividades de divulgação científica atuarem, nos termos do filme, como lobistas das ciências e das tecnologias. Infelizmente, em especial para brasileiros, a parte imensa da divulgação científica reforça a universalidade, a neutralidade e a objetividade das ciências e das tecnologias, isto é, reforçam o poder político dos conhecimentos científicos-tecnológicos, apresentando-os como entes configurados em um processo desinteressado de acumulação de saber através da descoberta de entes ou entidades (os astros, as moléculas, os átomos, as partículas, os vírus, as bactérias, as células, os órgãos) previamente existentes em uma Natureza, que forma um polo separado da Sociedade. Ou seja, grosso modo, a divulgação científica está a serviço da continuidade do poder dos que falam em nome das ciências e ignora as últimas décadas do campo dito interdisciplinar de estudos das ciências (denominado Science Studies nos países de língua inglesa). Em geral, a divulgação científica ainda não está voltada para novas traduções das ciências e das tecnologias e coloca-se conservadoramente como lobista do poder constituído. Novamente, vale observar que talvez se possa dizer que essa postura seja ainda mais perniciosa aqui do que no West. No filme, essa situação pode ser vislumbrada na aliança entre a difusão dos números referentes ao fumo e o senador oportunista.

7) Em seu modo de ver, qual a importância de atividades como os cineclubes enquanto espaços de pensamento e divulgação científica?

O investimento econômico para fazer um cineclube existir caiu significativamente, o que permite um movimento descentralizado e mais democrático da divulgação científica porque pode mais facilmente ser feita a partir de microiniciativas. Os recursos da Internet também permitem a invenção de novas maneiras de ganhar escala a partir das microiniciativas, configurando a possibilidade de trazer novidades, de trazer novas traduções para os fatos e artefatos sociotécnicos frente a uma divulgação científica que, se depender de financiamentos oficiais, tenderá fortemente a ser uma divulgação científica tipo chapa branca.

8) Como conhecer mais de suas produções? Você poderia disponibilizar algum email para contato?

Tenho um livro publicado pela Editora Contraponto: O Brasil e a abertura dos mercados – o trabalho em questão. Especificamente na área dos Estudos CTS (ciências-tecnologias-sociedades), escrevi diversos artigos que podem ser encontrados a partir de meu currículo Lattes em http://lattes.cnpq.br/2796368701159521
Também com satisfação ofereço meu endereço de e-mail: ivandcmarques@gmail.com