sexta-feira, 29 de novembro de 2013

A tecnologia e a ressignificação das imagens


A sessão de outubro do Ciência em Foco apresentou o filme Imagens da prisão (Gefängnisbilder - Alemanha, 2000), de Harun Farocki, seguido da palestra Técnicas e estéticas da vigilância: corpo, imagem e máquina, ministrada por Fernanda Bruno, professora do PPGCOM e do Instituto de Psicologia da UFRJ. O filme de Farocki serviu como ponto de partida para uma conversa bastante atual em torno das tecnologias de vigilância e o uso político das imagens. No filme, o diretor recupera imagens de arquivo associadas à dinâmica de controle de várias instituições, como as prisões, as escolas, os asilos manicomiais, e produz uma montagem que as articula com cenas resgatadas da história do cinema. O resultado, à primeira vista estranho – já que as imagens institucionais não são feitas para serem contempladas esteticamente –, vai aos poucos se mostrando como uma potente forma de discutir o poder das imagens e também promover um olhar crítico sobre elas. Com este método, Farocki traça uma pequena história da vigilância, desde as sociedades modernas e disciplinares e chegando até o mundo contemporâneo – desde a arquitetura das prisões, passando pela chegada das câmeras de vigilância até os atuais softwares de monitoramento dos espaços, que hoje invadem a vida cotidiana nas grandes cidades. Fernanda comentou aspectos destas tecnologias de controle e suas estratégias de disciplinarização dos sujeitos. Desdobrando sua análise para além do filme, Fernanda apontou outras tecnologias associadas à vigilância, agora no espaço informacional da internet. As ferramentas de busca e redes sociais dependem cada vez mais do rastreamento das informações pessoais que os usuários fornecem em sua navegação.

Após um extenso mapeamento de diversas tecnologias de vigilância e monitoramento, Fernanda comentou a particularidade dos smartphones, que possuem câmera e acesso à internet. Na medida em que permitem uma contra-visualidade, os smartphones são ferramentas que podem atuar como uma espécie de resistência às tecnologias de controle, oferecendo uma contra-vigilância. Foram citados os exemplos dos protestos políticos que ocorreram em escala mundial desde 2010, até os recentes acontecimentos na cidade do Rio de Janeiro. A imensa circulação de imagens promovida pelos milhares de indivíduos, com uma lógica distribuída, não hierárquica, produz uma paisagem audiovisual articulada a uma nova espécie de arquivo, uma nova cena imagética, não mais restrita às grandes corporações ou instituições que tradicionalmente detêm a produção de imagens.

A dinâmica da circulação das imagens pode, em situações de conflito como as recentes, oferecer uma resistência ao aparato de vigilância que historicamente penetrou no cotidiano. Foi o caso, por exemplo, da contra-vigilância com relação à polícia, quando manifestantes filmam a ação policial em protestos, e o produto da filmagem é utilizado para desmentir versões oficiais dos fatos. De acordo com Fernanda, temos hoje um outro tipo de observador, um observador distribuído, com uma dinâmica descentralizada que desafia os sistemas hierarquizados de visão e os discursos das instituições convencionais. Desde as provocações trazidas pelas imagens colocadas em relação por Farocki, pode-se entrever e pensar um cenário contemporâneo que embaralha e confunde a paisagem convencional da vigilância, na qual havia uma separação mais definida entre os vigilantes e os vigiados. Fiquem ligados: em breve a palestra estará online na íntegra em nosso Videocast.



sexta-feira, 22 de novembro de 2013

A minha morte diz respeito a quem?



No dia 7 de dezembro, o Ciência em Foco apresenta o filme Você não conhece Jack (You don't know Jack - EUA, 2011), de Barry Levinson, acompanhado da palestra Autonomia individual e gestão do morrer na contemporaneidade, com Rachel Aisengart Menezes, médica, doutora em Saúde Coletiva pelo IMS/UERJ e professora do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da UFRJ (IESC/UFRJ). A exibição tem início às 16h, na Casa da Ciência da UFRJ.

Instigante e polêmico, o filme traz Al Pacino no papel do advogado e doutor Jack Kevorkian, defensor da prática do suicídio assistido e da eutanásia para pacientes em casos terminais. Nos EUA, a defesa dessa postura diante de casos de “sobrevida” dividiu a opinião pública e provocou a ira de promotores, que se opuseram às “consultorias de morte” prestadas por Kevorkian a mais de cem pacientes que optaram por uma morte com dignidade.

Essa temática será abordada pela doutora Rachel Aisengart Menezes, possibilitando “refletir sobre os sentidos e os sentimentos em torno do sofrimento decorrente de doença e, em última instância, sobre a morte e autonomia individual, no século XX”.

Rachel Menezes observa que “o filme conduz ao questionamento de diferentes possibilidades ao final da vida, como qualidade de vida e de morte, sofrimento, autonomia individual, sistema de crenças, entre outras”.

Al Pacino ganhou com sua atuação neste filme, também exibido como minissérie na TV, o Prêmio Emmy de melhor ator, e Adam Mazer o de melhor roteirista.

sábado, 2 de novembro de 2013

Os universos do pensamento e da história



A perda de uma posição “geográfica”, por assim dizer, no Universo é chamado usualmente de “Princípio Copernicano”. Ele nos diz que a Terra é um planeta como outro qualquer, ao redor do sol, que é uma estrela como todas que brilham no céu, que nossa galáxia é apena uma entre centenas de bilhões etc. É, a princípio, um princípio de mediocridade, por assim dizer. Mas ele mesmo é um contraponto de uma aposta fundamental (...)

Jaime Fernando Villas da Rocha, astrônomo e historiador, doutor em Astronomia pelo Observatório Nacional, professor da UNIRIO e palestrante do Ciência em Foco de novembro.

1) Por que pensar com o cinema?

Imagem e tempo. Imagem e ação. Reprodutibilidade técnica. O Cinema, como a Astronomia ou a História, em seus terrenos, reúnem articuladamente um conjunto de representações e linguagens antes menos comunicantes. De certa forma, é a arte que se utiliza das possibilidades de nossa civilização tecnológica para realizar esta síntese, abrindo a possibilidade de pensar estas representações, esta civilização tecnológica inclusive.





2) Contato é um filme baseado no livro de ficção-científica do astrônomo e divulgador de ciência Carl Sagan, que contribuiu com a produção e faleceu pouco antes de ver o filme pronto. A evolução do conhecimento científico desdobrado de áreas como a astronomia legou à humanidade uma posição cada vez mais afastada de uma posição central no Universo. Comente a respeito desta propriedade da ciência e das possíveis perspectivas éticas que ela oferece.

A perda de uma posição “geográfica”, por assim dizer, no Universo é chamado usualmente de “Princípio Copernicano”. Ele nos diz que a Terra é um planeta como outro qualquer, ao redor do sol, que é uma estrela como todas que brilham no céu, que nossa galáxia é apena uma entre centenas de bilhões etc. É, a princípio, um princípio de mediocridade, por assim dizer. Mas ele mesmo é um contraponto de uma aposta fundamental: a de que a física do universo é uma só e, portanto, podemos conhecê-lo como um todo e em detalhe a partir do conhecimento que construímos aqui na Terra. Podemos fazer modelos de como são os interiores das estrelas sem nunca ter tocado em uma. Podemos descrever processos que se passaram no Universo como um todo em uma época tão primeva que não podemos observar etc. Porque a realidade é una.

Por outro lado, aprendemos muito sobre o fato de a vida complexa exigir condições muito especiais para ocorrer. Neste sentido, nosso planeta, nosso satélite natural, nossa vizinhança imediata, nossa estrela, nossa posição na Via Láctea e nossa Galáxia como um todo são de alguma forma especiais para que vida complexa possa acontecer. Ademais, nem a época em que acontecemos poderia ser qualquer nem a gramática das leis da física poderia ser qualquer para vida acontecer. Aprendemos muito com o quanto especial somos e quão específico é o momento do Universo em que acontecemos.



3) Em âmbito nacional, percebemos hoje uma ênfase nos discursos políticos que apelam para o desenvolvimento e à técnica. Por outro lado, também percebemos uma crescente visibilidade de fundamentalismos religiosos ligados ao cenário político. De que forma você percebe a atualidade do filme, tendo em vista as discussões que ele põe em cena envolvendo o embate entre os discursos da técnica, da ciência e da religião atrelados ao plano democrático das decisões políticas? 

Este é um ponto central para mim. Minha filósofa favorita, Hannah Arendt, por coincidência objeto de um filme recente, identificou em Kant uma diferença fundamental nas atividades mentais e uma tragédia cultural nossa. A diferença é a que existiria entre as esferas do pensar e do conhecer, cada uma com sua categoria específica: a esfera do pensar teria por categoria a criação de sentido, enquanto que o conhecimento tem por critério a Verdade. Nossa tragédia seria a de que pensamos o pensamento, desde Platão, com o critério de verdade e não de sentido. Isto permite que dimensões associadas ao sentido, como as religiões, se apropriem do critério de verdade tendo como contraponto a apropriação do conhecimento construído para negar sentido à experiência religiosa. E o terreno da política, que é a esfera do pensamento em ação, se vê contaminado por estas apropriações indevidas. Ao impor critérios de verdade, com seu apelo de absoluto, impedimos o embate de diferentes visões, que é a esfera da política.

Junte-se a isto o fato de que, mesmo em ciência, o próprio critério de verdade é relativizado, e temos preparado o terreno para a possibilidade de emergência de fundamentalismos embasados em nossa tradição de pensamento.



4) A astronomia é uma ciência que tem muitas afinidades poéticas com o cinema, desde o seu substrato comum – a luz – até a dependência de elementos que remetem à visualidade. A astronomia também lida em grande parte com o tempo, e com o passado daquilo que podemos hoje observar. Como você percebe as relações possíveis entre a astronomia e a história, tendo em vista sua formação em ambas as áreas do conhecimento?

A Astronomia é uma ciência histórica e arqueológica. Inescapavelmente. Ela lida com a realidade e a realidade acontece. Isto significa um conjunto de possibilidades que se reorganizam permanentemente. Cumpre compreender o acontecido dentro deste quadro de possibilidades.

Para tal, como a história entre as ditas ciências sociais, a Astronomia reúne articuladamente diversos ramos do conhecimento, como Física, Química, Biologia etc. Ao mesmo tempo, de um ponto de vista cosmológico, temos acesso ao nosso passado como um todo imediatamente. A luz tem uma velocidade finita, então de quão mais distante nos chega a informação, mais do passado ela provém. Assim, nosso agora é o centro de esferas temporais do passado de nosso Universo e é assim que temos de empreender um trabalho arqueológico sobre estas camadas. Isto altera nossa perspectiva sobre a mediocridade a que estaríamos relegados pelo “Princípio Copernicano” inclusive.



5) Contraplanos - expresse em poucas palavras (ou apenas uma) sua sensação com relação aos sentidos e problemáticas evocadas pelas seguintes palavras: conhecimento e memória; fé e razão; vida.

Identidade. Acontecer. Pensar.

6) Roteiros alternativos - espaço dedicado à sugestão de links, textos, vídeos, referências diversas de outros autores/pesquisadores que possam contribuir com a discussão. Para encerrar essa sessão, transcreva, se quiser, uma fala de um pensador que o inspire e/ou seu trabalho.

Eudoro de Souza - "Horizonte e Complemetariedade"

Hannah Arendt - "A Vida do Espírito"

7) Gostaria de lançar aos que acompanham nosso cineclube uma pergunta-síntese provocativa acerca da problemática de queira tratar em sua palestra?

Pensar é uma viagem para o além?