
David Cronenberg
De onde surgiu o interesse de pesquisa na relação entre cinema e filosofia? O que existe de comum em ambos os domínios?
Minhas pesquisas sobre as relações entre filosofia e cinema, na verdade, encontram-se no bojo de estudos mais amplos que versam acerca das relações entre arte e pensamento, nas quais a zona de contaminação entre filosofia e cinema possui papel preponderante. Isso tanto é verdade que, no momento, trabalho mais com literatura (Scott Fitzgerald) e artes visuais (Hélio Oiticica) do que cinema propriamente dito.
Claro que o cinema, como matriz dos processos de realização audiovisuais continuam, e muito, me interessando. Haja vista que um de meus vértices de pesquisa é a obra performática e visual de Matthew Barney, artista estadunidense que trabalha em uma rica zona de fronteira entre as artes visuais, a performance e a vídeo-arte. Elaborando sua prática artística no espaço que se convencionou chamar de cinema expandido.
Sobre a segunda parte de sua pergunta, sobre o que há comum entre cinema e filosofia, diria apenas que encontramos em ambos formas de pensamento. Enquanto um cineasta pensa por intermédio de imagens, o filósofo nos apresenta conceitos como seu instrumento de pensar.Godard, em meu entender, é, de fato, o primeiro cineasta. Não o primeiro em sentido cronológico evidentemente, mas aquele que primeiramente levou o cinema à sua maior radicalidade. Ele é, simultaneamente, o último grande cineasta moderno e o primeiro realizador cinematográfico contemporâneo. Ele está para o cinema como Nietzsche está para a filosofia e Marcel Duchamp está para as artes visuais. Desenvolverei melhor essa ideia, que é, na verdade, uma hipótese teórica, em minha fala no cineclube do Ciência em Foco, à guisa de conversarmos sobre os oitenta anos de JLG, partindo da exibição de seu Alphaville.
Você frequenta ou já frequentou, como palestrante ou espectador, algum outro cineclube? Como você avalia a importância deles?
Aliás, minha formação de cinéfilo e estudioso do cinema se deu inicialmente na frequentação de cineclubes. Em primeiro lugar, em cineclubes escolares, ainda no antigo segundo grau – hoje Ensino Médio – em Niterói. Tenho total apreço por ver filmes coletivamente e conversar sobre eles. Acredito que seja um espaço de formação coletiva e comum do que é propriamente o cinema. A propósito, acabei de chegar da Universidade Federal do Rio Grande do Norte/UFRN, advindo de uma participação de um Evento mensal, realizado por seu Programa de Pós-graduação em Filosofia, intitulado CINESOPHIA, no qual falei após a exibição de A erva do rato, o mais recente filme de Júlio Bressane.
Como conhecer mais das suas produções?
Bem, meus textos que articulam cinema e filosofia, além de meu livro Deleuze e o Cinema (Editora Ciência Moderna), estão dispersos por livros organizados, por artigos para periódicos de artes filosofia, comunicação e educação e ensaios publicados em algumas revistas como a FILME CULTURA do MinC. Penso em algum momento eu mesmo fazer um Blog, quem sabe?
Mostra Angu à Francesa from kairós on Vimeo.
3) O que caracteriza, na sua visão, a experiência de tempo da nossa sociedade - com a disseminação das novas tecnologias da informação -, em comparação com o tempo profundo dos processos geológicos e do mundo natural?
Um dos modos de se diferenciar a cultura é diferenciar o modo como se habita o tempo. Na cultura moderna, o passado limita o presente e o constitui em sua possibilidade de abertura. O presente se via constrangido pelo passado. Hoje, o futuro aparece como catástrofe a ser adiada, o que significa que as ações no presente são orientadas por antecipações de futuro, que pode limitar o presente ao futuro antecipado, que é na verdade sobre o que o filme trata. Hoje há uma aceleração das mudanças geradas pelas tecnologias da informação. Ao colocar o homem no tempo profundo, diante de uma realidade desmesurada, talvez se possa orientar melhor essas mudanças, já que desta forma nos perceberíamos como fazendo parte do cosmos em vez de tudo fazer para conseguir acompanhar as mudanças e dominar as tecnologias da informação.
4) Partindo deste contraste, de que modo a intuição do romance de Philip K. Dick - que inspirou o filme -, de uma possível antevisão do futuro, se coloca como interessante para pensarmos a história, a cultura e a atualidade?