Nesta edição de Conversações, recebemos a colaboração de nosso convidado de fevereiro, Ricardo Kubrusly, que ministrou a palestra Do Tempo, o que se diz?, após a exibição do filme Feitiço do tempo (Groundhog Day - E.U.A., 1993), de Harold Ramis.
penso em falar do tempo, é claro, sua invenção disforme, elástica e sempre referenciada à morte, que, ao fim e ao cabo, é o que nos guia; a mãe do pensamento.
O que se faz quando inventamos o mundo e dentro de nós, entre sentidos, construímos o que persiste e o que desiste?
Repetimos amedrontados o mundo e seus cantochões
penso em falar do tempo, é claro, sua invenção disforme, elástica e sempre referenciada à morte, que, ao fim e ao cabo, é o que nos guia; a mãe do pensamento.
sobre o tempo, recomendo o texto que está no número 1 da belissima Revista Carbono:
O filme [Feitiço do tempo], na tentativa de fotografar o tempo com lentes telescópicas, acaba por encontrar o próprio drama humano; suas ilusões repetições e verdades.É, pelo menos no filme que eu vejo, pela eterna repetição do que nada tem de especial, um dia corriqueiro onde, desistidos de entender as variações climáticas (de novo o tempo que em nossa língua se confunde com o clima) perguntamos e acreditamos nas previsões de uma Marmota. O que é mesmo uma marmota?
Possibilitado pelo desligamento da arte, repetições acabam por revelar o novo. O amor que dissolve o estático da vida na ilusão do movimento do amor e da normalidade.
ILUSÕES REPETIÇÕES E VERDADES
ILUSÕES REPETIÇÕES E VERDADES
O que se faz quando inventamos o mundo e dentro de nós, entre sentidos, construímos o que persiste e o que desiste?
Repetimos amedrontados o mundo e seus cantochões
Rodopiando as ilusões que à atoamente vestimos todos os dias
Sete véus, sete destinos, sete estrelas riscam os céus em tempestades
Repetimos a espera do milagre, da escolha,
a espera interminável das ilusões com as quais construímos nossas verdades.
Tornamo-nos os aparelhos que escrevem nossas vidas.
Me lembro que aos 8 eu fui feliz. Meu pai descendo do verde Plymouth 51,
Me lembro que aos 8 eu fui feliz. Meu pai descendo do verde Plymouth 51,
bigodes ao vento e trazendo consigo meu presente de natal: uma luneta. Dourada com seu tripé de madeira escura. Era a certeza do novo.
Do outro lado, o morro em verde me aguardava com seus segredos verdes. Mirei-lhe as lentes
que agora, me constituíam e que entre os galhos retorcidos inventavam novas descobertas.
Uma casa que não existia, agora lá, de cabeça pra baixo, do outro lado da espera, entre os verdes e os verdes do mundo. Eu vi a moça ao contrário, chão no céu, solta, seus pés no firmamento e seu vestido longo, formando um cone, uma outra luneta que me escondia seu corpo e revelava apenas os meus próprios sonhos. Estranho mundo o que as lunetas nos revelam...
À noite desmontei o aparelho tentando entendê-lo. Cada pedaço de vidro e ferro separados deixavam escondidos os pequenos anõezinhos que, por certo, inventavam em seus desenhos inteligentes a casa entre os verdes da montanha, a moça e seu vestido ao contrário que me excitava e me negava prazer e compreensão.
Dezembro, dezembro, sempre dezembro a nos lembrar o que se perde e o que se ganha.
Preparando-nos para a verdadeira fotografia: foco, objeto, destino e click!
O que se escuta, pelas orelhas que apontamos para o mundo, é um grito tênue dos desistidos.
Nós os desistidos insistimos em permanecer ouvidos. É da persistência dos desistidos que são feitas as frestas por onde distraídos, venceremos.
Ricardo Silva Kubrusly
Poeta e matemárico, doutor em Ciências pela University of Texas, Austin, professor titular do Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia da UFRJ (HCTE/UFRJ).
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