sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Que sentido a vida tem?


No dia 7 de setembro, o Ciência em Foco apresenta o filme Um lugar na plateia (Fauteuils d'orchestre, 2006), da cineasta Danièle Thompson, com Cécile De France (Albergue espanhol, Bonecas russas) no papel principal. Logo após a sessão, será apresentada a palestra “Reflexões sobre o sentido imanente da vida”, com o filósofo e psicanalista André Martins - doutor em Filosofia, pela Université de Nice, França, e em Teoria Psicanalítica, pela UFRJ. Professor da UFRJ, André Martins publicou vários livros, dentre eles, Pulsão de morte? Por uma clínica psicanalítica da potência (Ed. UFRJ, 2009).

O filme se contagia da efervescência cultural de Paris, que deslumbra a jovem Jéssica (De France), interiorana que esperava trabalhar no luxuoso Hotel Ritz, mas terá que se contentar com a vaga de garçonete em um café na Avenue Montaigne. O local fica próximo a um teatro, a uma sala de concertos e a uma casa de leilões, o que faz com que Jéssica, volta e meia, sirva pessoas da classe artística e se envolva em suas expectativas de vida. As aspirações de Jéssica e sua inocente visão de mundo contrastam com a sofisticação dos habitantes da capital e nos faz pensar sobre o que nos permite viver intensamente a vida.

Ao destacar esta comédia romântica como indutora do debate sobre o sentido da existência, André traça breve perfil dos personagens: “uma interiorana à procura de luxo, uma atriz em crise de autoestima, um pianista insatisfeito no auge de sua carreira, um colecionador de arte que não encontra mais o mesmo sentido naquilo que o moveu por toda a sua vida, um intelectual preconceituoso fixado em suas ideologias, (...) todos em busca de um sentido imanente à própria vida”.

Segundo o filósofo, a busca dos personagens pelo que é imanente à vida afirma “algo da ordem de uma liberdade interna, de um sentimento de potência e de realização”. Trata-se de compartilhar com o mundo nossa percepção singular, subjetiva, diz André, que foi identificada de diferentes formas por pensadores como Nietzsche, Spinoza e descrita por Winnicott como simplesmente “sentir-se vivo”, em contraposição ao sentimento de futilidade da existência”.

Dia 7, esperamos por vocês!

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Arte, ciência e ficção



No dia 3 de agosto, o Ciência em Foco exibiu o filme A máquina do tempo (The time machine - EUA, 1960), clássico de George Pal baseado no livro de H.G. Wells. Após o filme, o professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Semiótica da PUC-SP, Jorge de Albuquerque Vieira, apresentou a palestra Ficção e produção de conhecimento. Embora o filme também convide a um debate sobre a filosofia do tempo - o que poderia levar a uma série bem mais longa de encontros - a preocupação tanto de Pal quanto de Wells parece se voltar a outras áreas da ciência, levantando questões ligadas à sociologia, à economia e à política. Neste sentido, o filme consegue traduzir o espírito da obra de Wells, ao colocar em cena a preocupação com um possível destino da espécie humana. Tanto o filme de Pal quanto o livro de Wells motivaram a discussão em torno do que significa uma ficção.  Afinal, por que criamos ficções? Seria a ficção uma espécie de produção inútil, passível de ser entendida como uma mera distração? Jorge indagou se a ficção não teria uma finalidade cognitiva, aproximando-a de características do conhecimento: todo conhecimento tem como principal função manter a sobrevivência de um sistema vivo. Toda troca com o ambiente já se configuraria como uma espécie primitiva de conhecimento. Como pensar o fato curioso de nós, humanos - supostamente seres mais complexos na escala evolutiva -, nos dedicarmos a criar ficções?

Se a produção de conhecimento ficcional parece ter uma certa finalidade, haveria algum motivo para que certas ficções fossem inventadas. Vejamos a arte: os artistas lidam com a ideia de possibilidade, com as realidades possíveis, e não diretamente com aquilo que seria real. Não seria uma condição tão distante da ciência, que se baseia em uma hipótese de natureza realista-objetivista: admite-se uma realidade e procura-se guiar por ela. Todos os critérios e refutações científicas são sempre baseados nesta possível realidade, que parece não depender de nós. Portanto, o fato de se prever realidades é uma estratégia evolutiva baseada na tentativa de se entender não apenas o que a realidade é, mas o que ela pode ser. Dos tipos de conhecimento baseados em possibilidades o mais representativo deles, além da própria ciência, é a arte. Pode-se encontrar estudos de possibilidades da realidade na maioria dos autores de ficção científica, não apenas com ênfase na ciência mas na poesia ou na sociologia - esta bastante enfatizada por Wells em "A máquina do tempo". Muitas pessoas concebem o conhecimento científico separado do conhecimento artístico, como dois domínios excludentes. No entanto, aqueles que já se envolveram profundamente em atividades de pesquisa científica já devem ter se deparado com momentos de impasse, diante dos quais só nos resta criar, inventar. A partir destes casos, percebemos que o conhecimento científico não se reduz a uma mera descrição do real, já que a realidade nunca nos é dada. Como a maior parte dos aspectos da realidade estão profundamente afastados de nós, só nos resta um jeito quando queremos conhecê-la: lançar mão da invenção, fabular uma realidade e depois testar a invenção com rigor, conjecturas, sem esquecer que o que estamos submetendo a teste são ficções. Passamos, portanto, a dar certos atributos a criações que descrevem bem o mundo.

Jorge trouxe o exemplo da teoria da curvatura do espaço-tempo quadridimensional, que aparece na discussão do início do filme. De acordo com ele, as grandes teorias científicas são ficções: a partir de testes, recolhem-se indícios que mostrem, de modo indireto, se determinada ideia é boa. Einstein buscou indícios da curvatura do espaço-tempo apenas após experimentar um momento de criação, de invenção, que se aproxima do conhecimento artístico. É por isso que os grandes avanços científicos podem ser considerados atos de criação. Dividindo as ficções em dois grandes grupos, teríamos as ficções puras e as ficções eficientes, ou seja, de um lado as ficções mais ou menos livres e, de outro, as ficções mais ou menos especificadas, no sentido de serem eficientes na descrição ou representação de uma realidade fora do nosso alcance. No entanto, estes dois tipos não se contaminariam? Jorge trouxe um exemplo desta contaminação quando lembrou de suas leituras de ficção científica na adolescência, quando travou contato com o livro "A nuvem negra" (The dark cloud, 1957), de Fred Hoyle. Seu interesse pelo romance se deveu aos seus interesses de pesquisa científica naquela época. Anos mais tarde, já trabalhando com radioastronomia, descobriu que o autor do romance não só era um cosmólogo inglês, como também que seu livro de ficção tornou-se referência para muitos pesquisadores sobre as discussões científicas em torno de possibilidades de vida no Universo. Aquilo que ele havia conhecido como ficção científica, anos atrás, havia se tornado modelo científico anos mais tarde. Deste modo, longe de ser uma mera atividade supérflua, dispensável, não seria arriscado dizer que toda atividade artística é produção de conhecimento, assim como a ficção. Quando se faz ficção, ainda que não se saiba, procura-se captar alguma possibilidade do real. Muitas vezes essa conexão existe, independente do artista.

Há um motivo para isso, parece, de natureza evolutiva. Os seres humanos interagem com a realidade recolhendo os seus sintomas e depois codificando-os em suas redes neuronais. Deste modo, os sinais da realidades nos atingem e deverão ser traduzidos, transduzidos. Toda codificação, no entanto, possui limitações. As representações que criamos para lidar com o mundo e sobreviver são limitadas, além de extremamente especializadas, em comparação com outras espécies. A história evolutiva individual de cada um define os "filtros" seletivos a partir dos quais percebem e se relacionam com o real, englobados na concepção de Umwelt: termo que designa "mundo em torno", "mundo em volta", o universo perceptual de cada espécie, na concepção do biólogo estoniano Jakob Von Uëxkull (considerado hoje o pai da biossemiótica). Deste modo, a umwelt humana delimitaria aquilo que nos coube no jogo evolutivo. A questão passa a ser: como descobrir algo que se encontra para além da nossa percepção biológica individual? A resposta se insinua na nossa capacidade de expandir este nosso universo perceptual, na medida em que ele se torna não meramente biológico, mas também psíquico, psicossocial, social e cultural. Somos capazes agora de criar ficções, ao recorrer a signos para representar certos aspectos da realidade fora de nosso universo biológico. Na perspectiva de Jorge, nenhuma ficção é completamente pura, mas sempre baseada em uma possibilidade real. Do mesmo modo, estaríamos sempre lidando, na nossa experiência do mundo, com processos criativos ligados à produção de conhecimento. Estes processos não seriam restritos a determinadas áreas ou domínios, mas provariam antes a necessidade de sua mútua contaminação.

Nosso próximo encontro acontecerá no dia 7 de setembro. Exibiremos o filme Um lugar na plateia (Fauteuils d'orchestre - França, 2006 - 106 min.), de Danièle Thompson. Após a projeção, teremos a honra e a alegria de receber, como convidado do mês, o filósofo, psicanalista e professor da UFRJ André Martins, doutor em Filosofia pela Université de Nice, França, e em Teoria Psicanalítica pela UFRJ. Ele apresentará a palestra Reflexões sobre o sentido imanente da vida. André já publicou vários livros, dentre eles, “Pulsão de morte? Por uma clínica psicanalítica da potência” (Ed.UFRJ, 2009). Na ocasião, também sortearemos alguns exemplares de seus livros publicados. E por falar em livro, em breve acontecerá o lançamento do nosso segundo volume, Ciência em Foco, volume 2 - Pensar com o cinema, uma co-edição entre a Casa da Ciência da UFRJ e a editora Garamond, com o apoio do CNPq. Fiquem ligados no blog para mais informações. Até o dia 7 de setembro!