quarta-feira, 7 de março de 2012

Aprender sem um mestre: um paradoxo?

No último sábado aconteceu a primeira sessão de 2012 do Ciência em Foco. Pela primeira vez tivemos a honra de contar com o apoio da APILRJ (Associação dos Profissionais Tradutores/Intérpretes de Língua Brasileira de Sinais do Rio de Janeiro), que nos cedeu intérpretes de Português/Libras para cobrir a palestra e contemplar a comunidade surda. A abertura da temporada, com casa cheia, contou com a exibição do filme Entre os muros da escola (Entre les murs, 2008) seguido da fala do professor do Programa de Pós-Graduação em Educação da UERJ, Walter Kohan, que pensou com o público questões em torno do aprender e do ensinar. Nosso convidado iniciou sua fala afirmando que o cinema oferece não apenas uma oportunidade de se experimentar sensações, mas que ele é, também, uma forma de produzir e gerar pensamento. Por isso, ele marcou sua escolha metodológica de não interpretar o filme, mas sugerir certas linhas e provocações para pensar em conjunto com a plateia.

Walter partiu de uma pergunta incontornável que atravessa os domínios da escola e da educação: o que significa aprender? Toda sua fala desdobrou as possibilidades e as potencialidades de cada resposta, situado em uma das cenas finais do filme, quando o professor indaga seus alunos sobre o que eles aprenderam ao longo do ano. Ao voltarmos nosso olhar para a realidade das nossas escolas, muitos professores parecem pensar que o ato de ensinar significa, basicamente, transmitir o que se sabe, ao passo que o aprender se limitaria a incoporar um saber que o outro foi capaz de ensinar. O filme de Laurent Cantet encenaria, portanto, o drama dos limites desta concepção do ensino e da aprendizagem, quando nos mostra alunos que afirmam não terem aprendido nada na escola. Como nos posicionar diante daquele que afirma que nada aprendeu? Haveríamos de limitar o ato de aprender aos conteúdos que a escola espera que o professor ensine? A escola parece pressupor uma certa relação com o aprender que se associa à capacidade de incorporar um saber que o outro - o mestre - saberia de antemão. No entanto, os alunos nos fornecem indícios de que há outras formas de se compreender a aprendizagem, para além da transmissão de um saber prévio a ser incorporado.

Lembrando a cena em que uma aluna menciona uma passagem da República, de Platão, Walter trouxe à discussão a indispensável figura de Sócrates, cujos exemplos por ele legados nos fornecem pertinentes questões sobre o tema discutido. O que de fato incomodava aqueles que acusaram Sócrates de corromper os jovens com suas ideias, era a concepção de uma outra forma de entender a educação e a formação das novas gerações, que entrava em desacordo com aquela valorizada em sua época. Defendendo-se, uma das justificativas de Sócrates foi afirmar que ele nunca transmitiu saber algum. A única coisa que ele sabe é a ausência de valor do seu saber, afastando com isso as pretensões do conhecimento. Porém, como explicar o fato de existirem os que aprendem com ele, se ele mesmo afirma não ter nada a ensinar? Para uma escola atual, a afirmação de Sócrates seria um verdadeiro escândalo: não se aprenderia, de fato, de alguém, mas com alguém. Portanto, não haveria uma relação entre a transmissão de saber e a aprendizagem.

Walter também comentou a relação do ato de ensinar com a linguagem, já que ela se configura como uma dimensão a partir da qual talvez mais se evidencie, no filme, os conflitos sociais, políticos e econômicos que perspassam o universo da escola e da sala de aula. Sendo o personagem principal um professor de línguas, sua atividade é também um convite a adentrar aquele mundo, já que uma língua pressupõe sempre aspectos políticos, éticos e econômicos nela distribuídos. Com este movimento, Walter procurou marcar o aspecto voluntário do aprender, que reside no fato de se aceitar o mundo que se abre com o ensino. Logo, quando um aluno diz que não aprendeu nada, a afirmação pode se constituir em um ato de resistência, uma forma de não aceitar o mundo que se apresenta e suas regras.

Nossa próxima sessão acontece no dia 7 de abril, com a exibição do filme Sem limites (Limitless, 2011), de Neil Burger. Estabelecendo um elo com a nossa exposição Cadê a química?, refletiremos acerca dos aspectos em jogo na crescente demanda por tecnologias de biorregulação do corpo e da mente, em prol da otimização da performance e da satisfação de necessidades. Teremos a honra e a alegria de receber, como convidado do mês, Benilton Bezerra Jr., que é psicanalista, psiquiatra, doutor em Saúde Coletiva pela UERJ, onde é professor no Instituto de Medicina Social e pesquisador do PEPAS - Programa de Estudos e Pesquisas da Ação e do Sujeito. Sua palestra se intitula Do cultivo da interioridade à biorregulação da experiência: o que está em jogo? Marque na agenda e até lá!




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