quarta-feira, 30 de abril de 2014

Terapias de risco numa sociedade enferma




Ciência em Foco apresenta dia 3 de maio o filme Terapia de risco (Side effects - E.U.A., 2013, 106 min), de Steven Soderbergh, e traz como convidado do mês Rogerio Lopes Azize, Doutor em Antropologia pelo Museu Nacional – UFRJ e professor do Departamento de Ciências Sociais da UFF/PUCG. Azize conversará com o público sobre “Químicas na vida: medicamentos e subjetividades”. A palestra ocorre logo após o filme, que será exibido às 16h.

A trama de Terapia de risco, com roteiro de Scott Z. Burns (o mesmo de Contágio), apresenta Rooney Mara como protagonista, no papel de Emily. Ela busca por um equilíbrio emocional e a terapia a que se submete em muito supera a adoção de remédios contra a ansiedade. Revela os efeitos colaterais do adoecimento da uma ordem social. Adoecimento provocado pela lógica capitalista em meio a um EUA em crise, em que tudo se mercantiliza, expondo os limites da própria condição humana.

Para Rogerio Lopes Azize, "Terapia de risco é protagonizado por atores, atrizes e medicamentos. Estes objetos vivos atravessam a trama, problematizando uma medicalização da vida cotidiana, dos afetos e das subjetividades. Entram em cena representações atuais sobre a forma como encaramos os limites entre saúde e doença, além do papel da medicina e da indústria farmacêutica.”

Soderbergh anunciou que este será seu último filme para o cinema. Segundo a crítica, sua obra - especialmente dos últimos anos, que inclui a série iniciada com Onze homens e um segredo e Magic Mike -, o diretor tem investigado os efeitos do capitalismo sobre a vida das pessoas comuns, evidenciando suas contradições.

quarta-feira, 16 de abril de 2014

Transpondo os limites entre a pintura e o cinema


No primeiro sábado de abril, o Ciência em Foco exibiu o filme O moinho e a cruz, de Lech Majewski, seguido da palestra Com quantos frames se faz uma tela? O paradoxo das histórias pintadas e da pintura em movimento, ministrada pela professora e coordenadora do mestrado em Teoria da Literatura e Literatura Comparada do PPGL-UERJ, Carlinda Nuñez, doutora em Ciência da Literatura/UFRJ, com pós-doutorado na Univ. de Freiburg, Alemanha.

Valendo-se de um quadro de Pieter Brueghel, o filme de Majewski foi o ponto de partida para uma deliciosa tarde de reflexões em torno dos temas motivados pelo cinema e pela pintura, tais como as fronteiras entre e realidade e a ficção, sugeridas e questionadas pelo trânsito entre arte, filosofia, política e história. As propriedades que fazem com que a obra cinematográfica de Majewski não seja nem um documentário e nem uma adaptação da pintura de Brueghel, aproximam sua empreitada dos traços mais marcantes ligados às pesquisas da arte na atualidade, com sua fragmentação e com sua fuga às definições acabadas, à objetividade científica, deslocando e multiplicando as perspectivas e possibilidades de leituras.

Nossa próxima sessão acontecerá no sábado, dia 3 de maio de 2014. Por conta da chegada da exposição Cadê a química?, em cartaz na Casa da Ciência, nossa programação trará uma proposta de reflexão bastante atual sobre a medicalização da vida contemporânea: exibiremos o filme Terapia de risco (Side effects - E.U.A., 2013), de Steven Soderbergh, seguido da palestra Químicas na vida: medicamentos e subjetividade. Teremos a honra e a alegria de receber, como nosso convidado do mês, Rogério Lopes Azize, doutor em Antropologia pelo Museu Nacional/UFRJ  e professor do Departamento de Ciências Sociais da UFF/PUCG.

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quinta-feira, 3 de abril de 2014

Conversações - O moinho e a cruz

Nesta edição de Conversações, recebemos a colaboração de nossa convidada de abril, Carlinda Nuñez, que ministrará a palestra Com quantos frames se faz uma tela? O paradoxo das histórias pintadas e da pintura em movimento, após a exibição do filme O moinho e a cruz (Bruegel, le moulin et la croix, 2010), de Lech Majewski.


COM QUANTOS FRAMES SE FAZ UMA PINTURA?
O paradoxo das histórias pintadas e da pintura em movimento


No filme de Lech Majewski, O Moinho e a cruz (Suécia / Polônia, 2010, 97min), uma tela do pintor Pieter Brueghel se vai montando, adquire vida: reconstitui a problemática política de sua época (séc. XVII) a partir do contraponto com a história sagrada, o que torna a narrativa enigmática, multiperspectivada (porque é uma construída em diversos patamares) e complexa.

 

Duas são as principais fontes do trabalho cinematográfico que o diretor polonês Lech Majewski explorou para produzir a sua obra de arte fílmica: a tela de Brueghel, O Caminho para o Calvário, pintada em 1564 e pertencente ao acervo do MuseuHistórico de Viena, e o livro que empresta seu título ao filme, de Michael Francis Gibson (The University of Levana Press, 2012), crítico e historiador de arte, pesquisador de altíssimo nível, mas independente do circuito acadêmico, que a analisa em detalhes minuciosos e imperceptíveis a olho nu.






O filme é o resultado do bem-sucedido encontro de dois projetos desafiadores.  O de Gibson foi demonstrar que a tela renascentista se utiliza de duas poderosas alegorias para construir o seu discurso (pictórico) contra a violência da coroa espanhola sobre o território de Flandres.  O moinho, esta engenhosa edificação com estrutura mecânica que se difundiu na Europa a partir do século X, auxiliou o desenvolvimento da cultura humana ao longo de dois milênios, facilitando o trabalho humano e provendo o mais importante alimento dos grupos sociais que se aprimoraram, em muitos casos, ao seu redor. Ele é alegorizado por Brueghel, como lugar-tenente de onde Deus acompanha as ações dos homens. Na verdade, os moinhos de vento, em suas origens, eram edificados em lugares altos, justamente para que seu mecanismo se beneficiasse dos ventos que os fariam mover-se melhor.  Mas não era só esta a razão. Por se situarem no alto, ocupavam posições estratégicas, asseguravam a defesa das povoações vizinhas e atribuíam prestígio aos moleiros, que podiam se comunicar com eficiência à distância. Esta associação do moinho com o alto, com as forças elementais e com o Alto está enraizada na memória tanto de campesinos quanto de montanheses. Na Grécia, antigos moinhos foram a base para a construção de mosteiros inexpugnáveis na região de Meteora. Mesmo que Brueghel não os tenha conhecido, o moinho da tela os evoca: a estranha formação geológica que domina o plano superior esquerdo da tela é suficiente para ocupar o lugar simbólico de tribuna que fiscaliza os ritmos humanos e os há de julgar.

Se o moinho se liga ao céu (por esta e muitas outras razões), a cruz simboliza a terra: está na representação dos pontos cardeais, ao tabu das direções, à mediação entre o divino e o humano. É a imagem mais contundente da tradição cristã, por ter sido o lugar da morte do Cristo, o “ungido”. Se o moinho é par metonímico de Deus (um desdobramento do poder divino, na terra), a cruz é metafórica de vida eterna no céu.



O princípio condutor da narrativa fílmica é uma antiga obsessão de poetas e criadores, desde a mais remota tradição estética: transpor as fronteiras formais e técnicas entre as artes (cf. Simônides de Ceos, grego do séc. VI-V a.C. e Lessing,). Que há similaridades entre todas as artes, é inegável. As especificidades, entretanto, sempre se impuseram: pintura, escultura, dança, fotografia e cinema, como artes espaciais, se constroem/apresentam através da simultaneidade, alegorizando e recortando o momento ótimo dos temas; a literatura, como arte basicamente temporal, inventa ações que se desenvolvem sucessivamente (ou não). Lessing (alemão que viveu entre 1729-1781) foi o primeiro a mencionar a possibilidade de “pinturas poéticas” (ou seja, inventivas e capazes de sugerir o encadeamento de ações).


Majewski supera ineditamente, no século XXI, ambos os desafios: concretiza a transposição de temas e ideias poéticas da tela estática da pintura para a tela cinematográfica, não simplesmente como um exercício de tradução e adaptação entre duas mídias, mas estabelecendo os nexos entre os planos espacialmente dispostos, em sincronia, da pintura de Brueghel, enquanto restaura, com imaginação e rigor histórico, a narrativa que ela contém. E o faz através da experimentação vertiginosa de procedimentos tecnológicos e estéticos capazes de transformar em ação, tornar dinâmico, o que, na obra de partida, era estático.


Em termos práticos, o filme ultrapassa a interpretação artística de uma obra de arte. O filme é uma obra complexa em si, apoiada em paralelismos de diferentes ordens com a tela belga, que ganha vida, e os supera. A história de Flandres castigada pelo rei católico (Filipe II de Espanha) se compagina com a história da crucificação, manipulada pelos representantes de Roma no Oriente; o catolicismo espanhol entra em confronto com um paganismo que atravessou o medievo e irrompeu com toda força, no Renascimento (cf. Aby Warburg), haja vista a alegoria do moinho medonho e do deus que dele vigia, pré-diluvianamente, com uma ira arcaica e todo-poderosa, diferente da imagem do Deus-pai da mensagem cristã. Brueghel, personagem do filme, dá o sinal para o moleiro parar o moinho e, assim, outra máquina entrar em ação, a de produção de sentidos, sínteses interpretativas que começam a se organizar, conforme a silenciosa narrativa fílmica avança.

Abrem-se conexões entre política, religião, ética, vida cotidiana e arte, bem como a relativização das fronteiras entre realidade e ficção.  A história sagrada é concretamente vivenciada através da sujeição humilhante a que os belgas de então foram submetidos. Já as mulheres em torno de Maria e São João, no plano inferior da pintura, mais parecem figuras de Van Eyck, pintor cento e cinquenta anos anterior a Brueghel: bem desenhados, patéticos, expressivos, diferentes da massa de quinhentos figurantes da tela, representados com mais entusiasmo e menos exatidão que o grupo sagrado. O Cristo, no centro da tela, não é o centro das atenções, que se deslocam para um cavaleiro logo abaixo do Salvador (sem rosto), num cavalo branco, magnífico, face descobert, chamativo: nossos olhos acompanham os olhos dos figurantes da tela e são reconduzidos por Majewski para as situações impiedosas dos pequenos escândalos nossos de cada dia.

Nós, os espectadores, graças à animação da tela, participamos do mundo de Brueghel, mas não perdemos nossa condição de observadores contemporâneos: fascinados pelas câmeras e pelo laboratório de imagem de Majewski, levamos para o passado renascentista nossas questões e, com ele, reconhecemos tanto os prodígios da contemporaneidade quanto as violências de que somos ora vítimas, ora algozes.

A realidade paradoxal apresentada na pintura é reinterpretada no filme, através de múltiplos recursos (acústicos, semióticos, culturais, performáticos etc...) que reafirmam a riqueza e a autonomia dos dois objetos estéticos colocados em tensão. Saltam aos olhos e ouvidos suas diferenças, suas peculiaridades e seus silêncios. O que neles permanece impenetrável é talvez o que mais repercute em nós. O não-dito, aí, não significa ausência de fala, mas um discurso que se comunica à sua maneira. No caso de O Moinho e a cruz, como arte.



Carlinda Fragale Pate Nuñez
Doutora em Ciência da Literatura/UFRJ, com pós-doutorado na Univ. de Freiburg, Alemanha, professora e coordenadora do mestrado em Teoria da Literatura e Literatura Comparada/PPGL-UERJ. Ela é a convidada do Ciência em Foco do mês de abril.


terça-feira, 1 de abril de 2014

O passado presente - 50 anos de 1964



Nesta data que marca os 50 anos do fatídico 1º de abril de 1964, o Golpe Militar e a instauração da ditadura que durou 21 anos no país, aproveitamos para trazer importantes reflexões que rebatem e repensam os ecos do período na atualidade.

Na sessão do Ciência em Foco de agosto de 2012, recebemos a ilustre presença da escritora e psicanalista Maria Rita Kehl, integrante da Comissão da Verdade, para conversar com o público após a exibição do filme Corpo (Brasil, 2007), de Rossana Foglia e Rubens Rewald. Trata-se de um momento oportuno para relembrar o que foi discutido na sessão, e também para ouvir a palestra em nosso podcast. Seguem os links: